Prévias do PSDB têm racha entre Doria e Eduardo Leite no ABC
Na opinião de tucanos ouvidos pela reportagem, o racha entre Doria e Leite no ABC tem como pano de fundo a rivalidade local antiga entre Morando e Serra
A divisão entre partidários de João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB) nas prévias presidenciais do PSDB está refletida no ABC paulista, onde os prefeitos das duas principais cidades, São Bernardo do Campo e Santo André, integram a campanha do paulista e do gaúcho, respectivamente.
Orlando Morando, 47, prefeito de São Bernardo, e Paulo Serra, 48, prefeito de Santo André, vieram do mesmo grupo político e foram eleitos pela primeira vez em 2016, na onda que pintou de azul a região metropolitana a partir da vitória em primeiro turno de Doria para a Prefeitura de São Paulo.
Ambos se reelegeram em primeiro turno em 2020. Na opinião de tucanos ouvidos pela reportagem, o racha entre Doria e Leite no ABC tem como pano de fundo a rivalidade local antiga entre Morando e Serra, além da identificação pessoal de um e outro com seus candidatos nas prévias.
Enquanto o prefeito de São Bernardo é descrito como alguém incisivo, que busca fazer valer suas vontades e tem pretensões políticas maiores, lembrando o estilo de Doria, o prefeito de Santo André é visto como um conciliador, ligado a nomes históricos do PSDB, assim como Leite é definido.
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Em São Paulo, a cidade de Santo André se tornou a base de Leite. Serra é responsável por coordenar as articulações e os eventos do governador gaúcho no estado e conseguiu expandir os apoios para os diretórios de São José dos Campos e Jacareí, inclusive com voto declarado de um deputado federal paulista, Eduardo Cury. Os demais sete deputados do estado devem votar em Doria.
Os apoios vêm da região do Vale do Paraíba, área de influência do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que se tornou um desafeto de Doria e impulsiona Leite nas prévias. Alckmin já admitiu que irá deixar o partido, mas seus aliados acreditam que ele deve aguardar, antes, o resultado das prévias.
Outros tucanos paulistas ligados a Alckmin declararam voto em Leite, como o vice-presidente do PSDB-SP Evandro Losacco e os ex-presidentes do PSDB-SP Pedro Tobias e Antonio Carlos Pannunzio. Dois vereadores da capital paulista também estão com o gaúcho, Xexéu Tripoli e Daniel Annenberg.
Ainda no ABC, Leite obteve apoio das bancadas de vereadores de Ribeirão Pires e Diadema. Aliados de Leite calculam que ele pode ter até 25% dos votos no estado.
Já os estrategistas de Doria veem uma vitória praticamente unânime para o governador paulista, que têm mais dois prefeitos, além de Morando, atuando em sua coordenação no estado -Duarte Nogueira, de Ribeirão Preto, e Luiz Fernando Machado, de Jundiaí.
Neste mês, Doria divulgou uma carta de apoio com a assinatura de 230 de 237 prefeitos tucanos paulistas e 120 de 147 vice-prefeitos tucanos paulistas. No entanto, há dúvida se 51 desses prefeitos e 41 desses vice-prefeitos poderão votar nas prévias, já que aliados de Leite acusam o diretório paulista de filiá-los após a data limite permitida.
A rixa entre Morando e Serra gira entorno da disputa de protagonismo e influência em órgãos conjuntos no ABC, como o Consórcio Intermunicipal Grande ABC, entidade que reúne as cidades da região para ações e decisões conjuntas, e a Fundação ABC, órgão filantrópico de saúde.
Serra, que iniciou a carreira política como vereador em 2005, chegou a ser assessor de Morando, que foi vereador de 1997 a 2003 e deputado estadual de 2003 a 2017. Depois de atuar em dois mandatos na Câmara, o atual prefeito de Santo André foi secretário na gestão do petista Carlos Grana, mas deixou o cargo por discordar das interferências do PT e acabou derrotando o então prefeito na eleição de 2016.
Naquele pleito, Serra e Morando fizeram campanha embalados pelo resultado de Doria em São Paulo. Morando buscou se apresentar como uma versão do prefeito paulistano no ABC, emprestando até os motes "Orlando trabalhador" e "acelera São Bernardo", além de espalhar outdoors com a foto dele e de Doria pela cidade.
Até hoje Morando se mantém próximo do governador e busca espaço para ser candidato a vice-governador na chapa de Rodrigo Garcia em 2022. Sua mulher, Carla Morando, se elegeu deputada estadual em 2018.
Serra também teve a participação de Doria em sua campanha de 2016. "Paulinho Serra, essa minha mensagem vai pra você e vai para os eleitores de Santo André. Acelera em Santo André que eu acelero em São Paulo", diz Doria em vídeo divulgado pelo então candidato.
O prefeito de Santo André também ensaia lançar a mulher, Ana Carolina, na política, mas diz não ter a intenção de ser candidato a vice-governador no momento. Segundo ele, seu futuro na política depende das circunstâncias das próximas eleições.
Serra, ao contrário de Morando, se distanciou de Doria e diz ter mais identidade com o PSDB raiz, do resgate da social-democracia e da defesa do legado tucano, do que com o novo PSDB defendido pelo governador paulista.
O prefeito de Santo André diz ter escolhido Leite por ter um perfil semelhante ao do gaúcho e também por uma questão pragmática. Para ele, sem Leite, o PSDB não vai conseguir se apresentar como uma terceira via possível.
"Nesta eleição, para sair dessa polarização, a gente não precisa de um terceiro polo de radicalização, a gente precisa de alguém que tenha a maior capacidade de agregar e de unir, minha escolha foi por isso. Não vejo os outros candidatos com características competitivas para o momento que estamos vivendo", disse à reportagem.
Na avaliação de Morando, que defende Doria, o país precisa de um "governo com seriedade, respeito e equilíbrio".
"Não tenho dúvidas que a população brasileira buscará uma nova opção para administrar o país, que não seja o petismo e nem o bolsonarismo. Neste contexto, o governador João Doria reúne maior experiência para uma gestão equilibrada e que atenda aos anseios da nossa sociedade. Aliado a isso, demonstrou coragem de enfrentar todo um negacionismo e agir em prol das vidas brasileiras", afirmou à reportagem em nota.
Morando declarou ainda ter amizade com Doria e ter recebido com alegria o apoio do tucano na eleição de 2016.
"Temos similaridades na vida política, nos aspectos de ser combatente ao PT e encarar essa onda negacionista", afirma, ressaltando que ambos levam a gestão pública a sério, "sem tapinhas nas costas, mas com planejamento e resultados".
Questionado sobre sua relação com Morando, Serra afirmou que "muito mais por parte dele existe uma espécie de disputa fria, branca; mas da nossa parte não". "A minha decisão de apoiar Leite não teve nenhuma relação com a decisão dele [de apoiar Doria]."
O prefeito de Santo André disse que ambos se tratam cordialmente. "Já tivemos uma proximidade muito maior no passado, antes de virarmos prefeitos", completou, lembrando ser padrinho de casamento de Morando e ter trabalhado em suas campanhas para deputado.
Morando afirmou apenas ver "como natural a escolha de cada um por uma das opções de candidatos". "Nunca me escondi ou fiquei em cima do muro", completou.
O prefeito de São Bernardo não respondeu especificamente sobre suas intenções de ser candidato a vice ou de, futuramente, ocupar o cargo de governador.
Disse apenas querer "seguir contribuindo na vida pública" e afirmou que sua gestão devolveu "o orgulho aos nossos moradores, que estava enterrado, por abandono, desrespeito e ingerência de oito anos de gestão pública do PT".
Já Serra, ao comentar seus planos futuros, alfinetou Morando e Doria. "Imagino terminar meu mandato com avaliação boa, o que vem depois é consequência. O projeto político não pode ser pessoal, uma coisa só da vaidade", disse, afirmando que o rival local se apega mais à política do que à gestão.
"Quero continuar na vida pública e dar minha contribuição, tem inúmeras alternativas: Congresso Nacional, Assembleia, no Governo do Estado. Mas é consequência de construção, não é uma imposição. Não pode ser um projeto 'eu desejo e vou fazer de tudo', acredito mais na linha pacificadora. Não tenho pretensão definida", completou.