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BRASIL

Protagonista de embates, Marina Silva sofre derrotas em série com o aval do Planalto

No mais simbólico dos reveses, comissão aprovou relatório que esvazia a pasta da ambientalista

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante coletiva de imprensa na sede da pasta, em BrasíliaMinistra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante coletiva de imprensa na sede da pasta, em Brasília - Foto: José Cruz / Agência Brasil

Escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sinalizar à comunidade internacional o compromisso com uma gestão sustentável e a defesa do clima, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) enfrenta uma série de embates com colegas de governo, personagens do Congresso e aliados de seu próprio partido, a Rede.

Nesta quarta-feira (24), ela sofreu três derrotas no Congresso, todas avalizadas pelo próprio Palácio do Planalto. Na mais simbólica delas, uma comissão aprovou relatório que esvazia a pasta da ambientalista.

A ministra reagiu afirmando que a medida vai “fechar portas” para a gestão Lula. Além disso, ela entrou em rota de colisão com Alexandre Silveira (titular de Minas e Energia), a Petrobras e parlamentares da Região Norte ao travar a exploração de petróleo na região da foz do Rio Amazonas.

Com a anuência do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comissão de deputados e senadores aprovou relatório da medida provisória da reestruturação dos ministérios no qual algumas pastas foram enfraquecidas.

A do Meio Ambiente, chefiada por Marina, perdeu a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão, assim como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o do Desenvolvimento Regional.

A dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, deixa de gerir a demarcação das terras indígenas, a cargo da Justiça. O relatório ainda precisa ser votado pelos plenários da Câmara e do Senado.

"Frustração" com Lula
Em outra frente, a Câmara rejeitou emendas propostas pelo Senado na MP que altera a Lei da Mata Atlântica. Com isso, volta a valer o texto que afrouxa as regras para desmatamento de áreas protegidas. O governo orientou a base a votar pela flexibilização. A matéria vai para a sanção do presidente da República. Além disso, o Planalto liberou os deputados na votação da urgência do projeto que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A urgência da proposta, que contraria Marina e a esquerda, foi aprovada.
 

Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, deixou claro nível de insatisfação ao falar em “certa frustração” com Lula.

— Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. (...) Acho que o presidente Lula poderia ter entrado um pouquinho mais para impedir essa retirada do Ministério dos Povos Indígenas — disse Guajajara à GloboNews.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, também lamentou os movimentos que atingiram Marina e Guajajara: “Muito ruim que a comissão mista que analisa a MP da reestruturação do governo tenha aprovado relatório que esvazia Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas”, escreveu nas redes sociais.

O parecer do relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, teve o endosso do governo. Como essa MP é válida só até 1º de junho, havia risco de que mais atrasos fizessem a norma perder o efeito, obrigando a retomada da estrutura deixada por Jair Bolsonaro.

Alexandre Padilha e o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) se reuniram em momentos diferentes com Bulhões , antes da votação do relatório, e entraram em acordo sobre o texto. Na prática, cederam nos tópicos que atingiram Marina.

Para integrantes da base, o Planalto demorou para se organizar e pressionou pouco o relator para que o texto fosse conhecido com mais antecedência. O “abandono” de Marina acontece em meio a conflitos entre ela, Randolfe e lideranças do Congresso.

Em declaração que acirra ainda mais o clima com a bancada ruralista, Marina criticou, em audiência na Câmara, as práticas de desmatamento do que ela classificou de “ogronegócio”, num trocadilho com “agronegócio”:

— O governo vai apostar nessa transição (para agricultura de baixo carbono). Para que a gente tire o agronegócio brasileiro da condição de “ogronegócio”. Porque uma boa parte já está fazendo o dever de casa, e a parte que não faz, contamina todo resto.

O perfil no Twitter do PT no Senado comemorou a aprovação do parecer de Bulhões. Após críticas, fez novas postagens afirmando que “a maioria do Congresso impediu que a extrema-direita derrubasse a MP” e que o desejo é que “toda a estrutura do governo Lula seja mantida tal qual foi planejada pelo presidente”.

A titular do Meio Ambiente criticou o iminente esvaziamento de sua pasta e disse que a credibilidade de Lula não será o suficiente para garantir a boa imagem ambiental do país no exterior:

— Isso vai fechar todas as nossas portas — disse Marina à Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

Ela estava acompanhada do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. O órgão foi o responsável pelo veto à licença para a Petrobras perfurar um poço para estudar a viabilidade da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas.

Em uma indireta a Marina, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) subiu o tom ao afirmar que o país não precisa de outra marca na área ambiental, além de Lula:

— O embaixador do meio ambiente do Brasil, reconhecido mundialmente, é o presidente Lula. E a gente não precisa de outro.

Outros tropeços
A ministra do Meio Ambiente também enfrenta crises em seu próprio partido. Na semana passada, Randolfe Rodrigues, único representante da Rede no Senado, anunciou sua saída da sigla em meio a desentendimentos com Marina. Fundadora da sigla, ela perdeu disputa em abril com a ex-senadora Heloísa Helena pelo comando da Rede.

Marina operou uma volta por cima na política no último ano, quando se reaproximou de Lula, após uma década e meia de cisão, para derrotar Jair Bolsonaro nas eleições. Mas agora reedita cabos de guerra que remetem aos episódios que a levaram a deixar a segunda gestão de Lula, em maio de 2008, deixar o PT posteriormente.

Naquele ano, a interferência do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, na área de meio ambiente, com o aval de Lula, foi o estopim para a saída de Marina. Marina já havia sofrido desgaste ao negar licença para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte , em razão do risco para uma espécie de bagre.

Quinze anos depois, porém, houve mudanças significativas no cenário político. Com o intuito de se contrapor a Bolsonaro, a agenda ambiental teve um peso maior na campanha de Lula em 2022.

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