Punições a sargento e a coronel contra e pró Bolsonaro abastecem temor de politização na PM
Embora o temor da participação de militares da ativa nas manifestações do 7 de Setembro não tenha se concretizado, a forte presença do bolsonarismo nos batalhões continua e demanda regras claras para evitar insurgências nas tropas.
As discussões sobre o risco de um motim dos fardados nos atos do Dia da Independência cresceram após o coronel Aleksander Lacerda, que comandava sete batalhões na região de Sorocaba (SP), ter usado as redes sociais para convocar manifestantes para protestos semanas antes.
Lacerda também fez ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal e criticou o governador João Doria (PSDB), seu chefe, a quem chamou de "cepa indiana", numa analogia à variante delta do novo coronavírus.
Doria determinou a punição do coronel, que foi afastado das funções de comando. Procurada, a Polícia Militar disse que Lacerda é investigado por meio de IPM (Inquérito Policial Militar) e foi transferido de unidade.
Outro episódio relacionado aos atos e também punido pela PM foi a publicação de um vídeo do sargento Renato Kenjiro Tamaki, 41, que atuava na 5ª Cia do 20º Batalhão, em Barueri. Ele afirma que, com os atos bolsonaristas do feriado, o país entraria para o Guinness Book ao quebrar o recorde de "maior concentração de cornos por metro quadrado".
Tamaki diz ter feito a gravação durante uma folga sua, no dia 6 de setembro, e compartilhado o conteúdo apenas com um grupo de colegas de jiu-jitsu no WhatsApp, com cerca de 50 pessoas.
O conteúdo, porém, chegou aos superiores, que abriram uma sindicância para investigar o comportamento do militar. Ele foi transferido para Caucaia do Alto, em Cotia, a mais de 40 quilômetros da cidade onde mora.
A PM confirmou a punição de Tamaki e disse que "não compactua com desvios ou infrações por parte de seus agentes".
A instituição também informou que não foram registradas ocorrências envolvendo policiais militares da ativa nas manifestações do 7 de Setembro e também de outros dias, como as de 12 de setembro (puxadas pelo MBL e contra o presidente) e 2 de outubro (capitaneadas pela esquerda).
O Código Penal Militar prevê para o crime de incitação à indisciplina, por exemplo, pena de 2 a 4 anos de prisão. Para o crime de conspiração estão previstos de 3 a 5 anos, e o de motim, de 4 a 8 anos de restrição de liberdade.
Em São Paulo, no 7 de Setembro, a reportagem observou que a presença dos policiais ficou restrita à segurança da manifestação. Porém participantes dos atos posaram ao lado das tropas.
Foi o caso do deputado federal Capitão Derrite (PP-SP), um dos líderes da Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como "bancada da bala", e apoiador do governo Bolsonaro.
Questionado se tal postura poderia alimentar a insubordinação de membros da ativa, que não podem se manifestar, o deputado disse que tirou fotos com os policiais porque admira e respeita "meia-morada de farda que tem a nobre missão de garantir o direito constitucional de todo cidadão a se manifestar em segurança", algo que diz ter feito inúmeras vezes quando estava na ativa.
Derrite também disse defender a liberdade de expressão e o direito de militares de se manifestarem na folga, desde que à paisana e desarmados.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que, apesar de ter perdido a força que tinha em 2018, o bolsonarismo ainda está muito presente no meio militar, uma das bases do governo.
"É uma mentalidade pedestre, conflitiva, errada em seus fundamentos no que diz respeito à segurança pública. Em apostar na questão do armamento, da impunidade do policial violento. O bolsonarismo representa na segurança pública um conjunto completamente errado de propostas, é fácil demonstrar isso", diz o professor Leandro Piquet Carneiro.
Coordenador da Escola de Segurança Multidimensional do Instituto de Relações Internacionais da USP, ele afirma que o estrago do movimento pró-presidente está feito, mas que nunca viu nem encontrou evidência de um golpe tramado pelas PMs, seja em São Paulo ou em outros estados do país.
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Carneiro aprova a forma como a instituição agiu no caso do coronel Lacerda e do sargento Tamaki. No caso do ex-comandante, ele reforça ainda necessidade de uma atuação administrativa que neutralize eventuais efeitos, com "prontidão na resposta sempre que acontecer alguma situação parecida", além de ter capacidade de responder aos problemas que a categoria enfrenta.
A advogada Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, menciona uma série de episódios envolvendo militares antes mesmo de Bolsonaro ser eleito e que não foram punidos. Ao não estabelecer limites claros para as tropas, ela considera que a PM incentiva essas manifestações.
"Esses casos [de Lacerda e Tamaki] não são isolados, mas resultados de um caldo que de alguma forma está sendo cozido em fogo baixo há algum tempo. De vez em quando, essa temperatura aumenta, de vez em quando baixa, mas ninguém está muito preocupado em apagar esse fogo e controlar esse processo para deixar mais claro esse limite de movimento."
Figueiredo afirma ainda que a reação rápida de Doria em São Paulo deve ser a regra diante de ameaças nas corporações, assim como a atuação preventivas dos Ministérios Públicos nos estados.
Doutor em ciência política e coronel da reserva, Glauco Carvalho, que é crítico do bolsonarismo e afirma ser radicalmente contra a partidarização de membros da ativa, destaca que existe uma reflexão na PM sobre como estabelecer normas para manifestações na internet. "A maioria dos coronéis não aprova a difusão de mensagens de forma irresponsável nas redes sociais", diz.
A proposta de determinar uma quarentena eleitoral para militares, policiais, juízes e promotores, que está travada no Senado e valeria para as eleições de 2026, é elogiada pelos três e vista como ideal para evitar episódios de politização das tropas.
"É uma medida que tem impacto de médio e longo prazo para as instituições policiais e vai beneficiar os oficiais que daqui a dez anos vão estar no comando dessas instituições", diz Carneiro (USP). Ele cita o motim da Polícia Militar no Ceará, em 2020, como exemplo de como a infiltração política pode destruir uma instituição.
Figueiredo diz que há uma irresponsabilidade de políticos que antes estavam nas Forças Armadas e hoje tentam cooptar quem está na ativa. "Estão causando ou ampliando a permanência de um clima confuso, de instabilidade, que eventualmente pode chegar a quebra de comando, então não é um papel ok."