depoimento

"Quanto mais impunes, mais ousados", diz Marcelo Freixo sobre plano para matá-lo com tiro de sniper

Em entrevista, o ex-deputado federal e estadual, que presidiu a CPI das Milícias, em 2008, fala ainda sobre reforço na segurança e as relações entre crime

Presidente da Embratur, Marcelo FreixoPresidente da Embratur, Marcelo Freixo - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

No vídeo em faz sua delação, Ronnie Lessa aponta Marcelo Freixo como sendo um dos alvos dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Segundo o ex-PM, chegou a ser cogitado um atentado com tiro de longa distância — especialidade de atiradores conhecidos como snipers — contra o Freixo. Seria uma forma de evitar o confronto com a escolta policial que há anos acompanha o ex-parlamentar desde que ele presidiu a CPI das Milícias, na Alerj.

À frente da Embratur desde o ano passado, Marcelo Freixo comenta, em entrevista ao Globo, as revelações feitas por Lessa.

No vídeo gravado pela Polícia Federal, Ronnie Lessa fala abertamente sobre o fato de ter sido cogitado, pelo mesmo grupo que matou a vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinar o senhor com um tiro disparado de longa distância para driblar o aparato de segurança que lhe protege. Como o senhor recebeu essa informação?

Marcelo Freixo — A gente não pode nunca naturalizar e banalizar uma coisa dessa. Eu não fiz nada que não devesse fazer na minha função pública para ter que passar por isso. É um absurdo essa história. É sempre muito chocante ouvir algo assim dito por alguém que é capaz de fazer isso. Não é da boca de qualquer pessoa, é da boca de um assassino profissional, então é bem chocante, muito ruim. Ao mesmo tempo acho que não é um problema só meu, é um problema do Rio de Janeiro. Como que alguém, psicopata a esse ponto, pode ter passado tanto tempo na polícia, pode ter matado tanta gente e só agora virou réu? Como pode ter passado despercebido pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário e todas as instituições? Em 2008 eu presidi a CPI das Milícias que combateu o crime, que levou criminosos à prisão. E isso não pode ser razão para minha vida estar em risco. Isso é muito grave. Andar com segurança nunca foi um privilégio, pelo contrário, eu pago um preço muito alto de não poder desfrutar da cidade ou da liberdade que qualquer cidadão tem direito.

De alguma forma essa revelação aumentou a sensação de insegurança, pensa em reforçar a sua segurança?

Freixo — Eu ando com escolta desde 2008, porque essas ameaças sempre existiram. Elas podem ser mais ou menos visíveis, hoje estão mais visíveis. Não quer dizer que seja o pior momento, porque às vezes quando você está no silêncio é mais perigoso. De qualquer modo, é claro que eu amplio o meu cuidado nesses momentos mais agudos. Mas é um estado de vigilância permanente na minha vida e isso não é bom, mas é necessário.

Espanta a ousadia de terem pensado num plano como esse, de usar um sniper em um atentado contra o senhor?

Freixo — Essa ousadia deles diz muito sobre a impunidade da qual eles sempre se beneficiaram. Quanto mais impunes, mais ousados. Quantas vezes mataram e nada aconteceu? O Rio tem uma coisa chamada escritório do crime... quantas vezes o escritório do crime foi investigado? Quantas vezes eles viraram réus em algum homicídio? Quantas vezes foram incomodados pela Delegacia de Homicídio? Então isso de alguma maneira amplia a capacidade de ousadia deles, quando sabem que podem ser ousados porque nada vai acontecer. O caso Marielle é uma inversão disso, ele destampa um bueiro no Rio. Esse crime organizado que sempre atuou debaixo do nariz de várias autoridades sem que nada acontecesse se viu finalmente exposto.

Nas palavras do ex-PM, para matar Marielle ele teria sido chamado para “uma sociedade” que incluía o recebimento de uma área em Jacarepaguá que passaria a ser explorada por ele no que caracterizaria uma “nova milícia” com potencial para render R$ 100 milhões. O que isso revela sobre a forma de agir e sobre a lucratividade da milícia no Rio?

Freixo — Isso revela que o crime no Rio é um grande negócio, por excelência. Há muito tempo que o crime no Rio virou um projeto de poder. Aliás, a gente escreve isso no relatório da CPI das Milícias, o texto começa dizendo que crime, polícia e política não se separam no Rio. Milícia é máfia. É quando o crime ganha projeto de poder. Tem uma parte na fala do Lessa em que ele diz que ia ser o dono de uma determinada área, que ia ter o controle do gás, da internet e dos votos, o controle de eleger pessoas. É um grande negócio, dá muito dinheiro. Uma sociedade criminosa, econômica e política, essas três esferas juntas. Quando a gente diz que a milícia não é um estado paralelo, mas um estado leiloado é exatamente nisso que o Lessa está apostando as suas fichas: (ele pretende) ser um estado naquele lugar, e estamos falando de um psicopata, criminoso, assassino.

Outro ponto que chama a atenção na delação é o nível de “profissionalismo” da milícia com a contração de topógrafo e despachante, por exemplo, para legalizar as áreas dominadas. Ainda assim, sem que haja, pelo menos em parte, certa conivência do poder público esse movimento não seria possível, não?

Freixo — O enfrentamento da milícia terá que ser do estado brasileiro, os poderes públicos municipal, estadual — que tem poder de polícia — e federal precisam estar juntos e isso está no relatório da CPI das Milícias. A questão fundiária passa pelo município, a questão da segurança passa pelo Estado e os recursos e a inteligência precisa vir do governo federal, esses três entes precisam atuar juntos no combate ao crime organizado, foi assim em qualquer lugar do mundo que resolveu enfrentar o crime. O problema é que às vezes essas esferas não apenas não querem enfrentar como fazem parte do crime.

A delação revela que outros integrantes do PSOL, seu partido à época, também foram monitorados. O que isso revela sobre as relações da milícia com a política no estado?

Freixo — A informação que eu tenho é que investigar mesmo, ele investigou a mim, no computador dele, e à Marielle, na véspera do crime. Aparecem citações a outras pessoas, porque tem um incômodo político com um grupo que é algo que vem de longa data. A gente nunca esteve juntos, do mesmo lado da história, o que não é problema. Você pode e deve ter divergências de grupos políticos que pensam diferente, é assim no mundo inteiro. O que não pode, que é para onde o Rio caminhou, é que se você pensa diferente, você pode ser morto. Isso a gente não pode naturalizar. Pensar diferente é saudável, agora morrer porque pensa diferente não. Esse grupo político sempre demonstrou incômodo com votações, com posturas nossas. A CPI das Milícias foi o auge disso, mas tem outros. Eu votei contra a indicação do Domingos Brasão para o Tribunal de Contas, por exemplo. São muitos os momentos de enfrentamento, o que não teria nenhum problema. O que não dá é você achar que pode matar o outro por causa disso.

Milícia e tráfico têm se enfrentado em diversos pontos da cidade, especialmente na Zona Oeste. Na madrugada desta segunda-feira, por exemplo, houve confronto em Rio das Pedras. Você acredita que há um enfraquecimento da milícia naquela região e isso, de alguma forma, teria relação com os desdobramentos da investigação sobre o assassinato de Marielle?

Freixo — Como disse, o caso da Marielle abriu um bueiro no (mundo do crime) do Rio. Quando investiguei as milícias, em 2008, o tráfico tinha uma forma de agir os milicianos outra. Os dois são crime organizado, os dois têm que ser enfrentados. Acontece que o tráfico tinha uma atividade econômica e um perfil e a milícia tinha outro. O que aconteceu ao longo desse tempo é que eles se aproximaram. Hoje o tráfico começa a dominar a van, que era uma atividade só da milícia, começa a dominar o gás, etc. E por outro lado, a milícia começa também a fazer o tráfico de drogas. O que se observa é uma fusão econômica e no modo de proceder, uma mistura de milícia com tráfico em várias áreas do Rio. Eu acho que isso piorou a situação do Rio. Pode ter gerado um enfraquecimento da milícia, mas não é para que a sociedade tenha uma melhora. O que a gente observa são grupos criminosos se enfraquecendo e outros se fortalecendo, mas o que a gente não vê é o fortalecimento do Estado. E é isso que você tem que ter, um fortalecimento da presença do estado nessas áreas

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