Ramagem reconhece à PF falta de "controle devido" no uso de programa espião pela Abin
Apuração da Polícia Federal trata de ações clandestinas de vigilância de adversários
No depoimento de quase sete horas que prestou à Polícia Federal no último dia 17, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin), reconheceu o que classificou como "falta de controle devido" em relação ao uso do programa First Mile – um sistema que rastreava a localização de pessoas e cujo uso está sob investigação.
Indagado sobre as ferramentas de inteligência disponíveis no momento em que era diretor-geral da Abin, Ramagem respondeu aos investigadores que a compra do sistema já havia ocorrido quando iniciou sua gestão, em 2019. Segundo ele, uma auditoria do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) concluiu que a compra do First Mile foi "correta", e que o mecanismo atendia a uma diretriz de inteligência da agência.
Leia também
• "Abin paralela" ex-chefe da Receita Federal depõe à PF sobre áudio de Bolsonaro e Ramagem
• Alexandre Ramagem oficializa nesta segunda-feira (22) candidatura no Rio
• Flávio Bolsonaro ironiza áudios de Ramagem
À PF, contudo, disse que "na direção-geral, tinha ciência de que não havia o controle devido da utilização da ferramenta, ou seja, justificativa e registro dos acessos". De acordo com Ramagem, havia uma preocupação com o "uso irregular" da ferramenta, sendo que uma auditoria específica sobre o First Mile foi realizada, e que na direção-geral "havia desconfiança" de algum "uso irregular da ferramenta para fins provados".
A utilização do First Mile durante o governo de Jair Bolsonaro foi revelada pelo GLOBO em março de 2023 e motivou a abertura de um inquérito pela PF. A investigação identificou que o programa foi empregado pela Abin para espionar políticos, jornalistas, advogados e adversários do ex-presidente. A ferramenta, fabricada pela israelense Cognyte, é capaz de monitorar a localização de até 10 mil números de celular por ano.
Ao longo do depoimento, o ex-diretor-geral da Abin e um dos principais aliados de Bolsonaro, afirma não se lembrar das atividades de monitoramento de adversários do ex-presidente. Na última fase da operação Última Milha, deflagrada pela PF no início do mês, os investigadores apontaram para a criação de uma suposta rede de monitoramento ilegal de autoridades, entre ministros do STF, jornalistas e políticos da oposição.
Entre os nomes presentes na lista de autoridades que teriam sido monitoradas ilegalmente estão o da ex-deputada federal Joice Hasselmann, o do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, do ex-prefeito de São Paulo João Doria.
Ao ser questionado sobre qual seria a motivação para o monitoramento envolvendo deputados federais e qual seria a ordem judicial autorizando a medida, Ramagem respondeu que os deputados federais nunca foram alvo de monitoramento. E especificamente com relação a uma ação envolvendo um jantar no Lago Sul, em Brasília, em que estavam presentes Joice Hasselmann e Rodrigo Maia, disse que o objetivo era identificar a quem pertencia um determinado carro – e que a conclusão a que se chegou era de que o veículo era usado por Anderson Torres, à época secretário de segurança do Distrito Federal.
Ramagem também foi indagado pela PF a respeito da reunião realizada no Palácio do Planalto com Bolsonaro e duas advogadas que faziam a defesa de Flávio Bolsonaro. A reunião teve como principal tema a discussão sobre uma blindagem do filho do ex-presidente no caso das rachadinhas". O encontro foi gravado pelo ex-diretor da Abin e o conteúdo do áudio foi divulgado após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Ramagem, a gravação foi feita a pedido do ex-presidente que teria, de acordo com seu relato, tido a notícia de que poderia haver "algum tipo de proposta que não seria lícita". E que combinou com Bolsonaro de fazer a gravação caso houvesse "alguma proposta ilícita", mas que não sabe se o general Augusto Heleno, que também estava presente no encontro, sabia da gravação.