Ronnie Lessa é investigado pela PF por mais de uma dezena de assassinatos nos últimos 20 anos
Na última quinta-feira, matador foi condenado a mais de 78 anos de prisão pelos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes
Em seu acordo de colaboração premiada, Ronnie Lessa, condenado por executar Marielle Franco e Anderson Gomes, negou ser um “matador de aluguel” e afirmou: a vereadora foi a única pessoa que ele matou por dinheiro. A declaração contraria a investigação da Polícia Federal, que qualificou o ex-PM como um “notório sicário” no relatório final do caso.
O trabalho da PF aponta indícios da participação de Lessa em mais de uma dezena de homicídios a soldo cometidos ao longo dos últimos 20 anos. No entanto, apesar de pistas indicarem o envolvimento do ex-PM, todos os casos seguem em aberto na Polícia Civil e no Ministério Público do Rio (MPRJ), sem solução. A primeira e — até agora — única condenação de Lessa pelo crime de homicídio foi a da última quinta-feira.
Três homicídios em que há indícios da participação de Lessa vieram à tona quando o MPRJ passou a analisar dados da quebra do sigilo telemático do ex-PM durante o caso Marielle. Ao vasculhar suas buscas na internet, os investigadores detectaram que, dias antes de execuções com assinatura profissional, Lessa pesquisou dados pessoais das vítimas.
Leia também
• Frieza de Lessa é destacada por juíza em sentença: "Não se limitou a matar, elaborou passo a passo"
• Caso Marielle: julgamento e condenação de Lessa e Queiroz repercutem na imprensa internacional
• Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são condenados pela execução de Marielle e Anderson
Um dos casos foi o do ex-deputado estadual Ary Brum, assassinado a tiros na manhã de 18 de dezembro de 2007, numa execução com modus operandi praticamente idêntico ao do homicídio de Marielle: os criminosos emparelharam com o carro de Brum na Linha Vermelha e o atirador fez os disparos com ambos os veículos em movimento. Dois meses antes, em 2 de outubro de 2007, Lessa pesquisou o CPF do ex-deputado.
O inquérito do caso, obtido pelo Globo, tem várias menções a Lessa. A investigação da Delegacia de Homicídios (DH) concluiu que o assassinato do político foi encomendado por um sócio, o empresário Lindenberg Sardinha Meira, que culpava Ary Brum por um prejuízo milionário: Meira teria descoberto um desfalque nas contas do Hospital Quarto Centenário, em Santa Teresa, uma sociedade dos dois.
O relatório da investigação aponta que os dois brigaram na véspera do crime e, em seguida, o empresário teria ordenado que seus seguranças, todos policiais, matassem Brum. Lindenberg Meira foi denunciado pelo Ministério Público e virou réu pelo homicídio. Mais de uma década depois, acabou absolvido por falta de provas.
Carta anônima
Os atiradores nunca foram identificados, mas, dois meses após o crime, uma carta anônima enviada à delegacia apontava Lessa como um deles: “o grupo de assassinos contratados por Meira é liderado pelo PM Roni Lessa, matador profissional” — o nome foi escrito de forma errada.
O denunciante também escreveu que os homicídios cometidos por Lessa “são executados com um fuzil AK47” e ainda orientou a polícia: “Se comparar os cartuchos poderá confirmar que há relação das mortes com a mesma arma usada por Lessa”. Todos os fuzis da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), onde Lessa trabalhava à época, cedido pela PM, foram apreendidos, mas a perícia não conseguiu concluir se as armas foram responsáveis pelos disparos que mataram Brum.
As buscas de Lessa na internet também trouxeram à tona suspeitas da participação do PM nos homicídios dos irmãos Ary (homônimo de Brum) e Humberto Barbosa Martins, em 6 de novembro de 2006. Os dois estavam dentro de um Golf e saíam de um posto de gasolina, no Centro do Rio, quando foram atacados. Nos dias 2 e 9 de outubro — um mês antes do duplo homicídio —, Lessa pesquisou dados de Ary Martins e de sua mulher.
O crime tinha outra conexão com Lessa: a DH concluiu, à época, que o mandante havia sido o mesmo do crime que vitimou Ary Brum, o empresário Lindenberg Meira. O alvo seria somente um dos irmãos, Ary Martins, que trabalhava numa empresa que concorria com uma firma do empresário. Assim como no caso Ary Brum, após apontar o mandante, a polícia não aprofundou a investigação na direção dos executores. Meira chegou a ter prisão decretada, mas não foi condenado.
Outro indício da participação de Lessa em um crime foi encontrado no dia em que ele foi preso pelos assassinatos de Marielle e Anderson, em 2019. Na ocasião, a polícia apreendeu, em sua casa, partes do inquérito que apurava o homicídio de Alexandre Farias Pereira, então presidente da Associação de Vendedores do Mercado Popular da Rua Uruguaiana, o camelódromo do Centro do Rio. Em 18 de maio de 2007, Pereira foi executado quando passava de picape pela avenida Brigadeiro Lima e Silva, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Em sua casa, Lessa guardava o depoimento em que o filho da vítima expunha à Polícia Civil a guerra pelo domínio do mercado popular. Grampeado ao relato, havia um bilhete com os dizeres “Periquito mandou sarquear” — expressão que, no jargão policial, quer dizer pesquisar, levantar informações. “Periquito”, segundo o MPRJ, é o apelido de um suspeito de ser mandante do crime, que disputava com a vítima o controle do Camelódromo. Lessa nunca explicou como e por que teve acesso ao depoimento sigiloso.
Em outros casos, o ex-PM chegou a ser intimado para prestar depoimento como suspeito. Um deles foi o da morte de Rogério Mesquita — apontado como braço-direito do bicheiro Maninho —, assassinado na manhã de 24 de janeiro de 2009, em Ipanema. O crime segue sem solução.
— Me chamaram umas três vezes na delegacia por causa da morte do Rogério Mesquita. No final, com um detetive, inspetor, nós batemos boca e a partir daí eu virei um matador de aluguel — disse Lessa numa das audiências do Caso Marielle no STF.
Mais dois assassinatos
No acordo de colaboração que assinou com a PF, Lessa admitiu, além dos homicídios de Marielle e Anderson, mais um duplo assassinato: o do casal André Henrique da Silva Souza, o ex-PM André Zóio, e Juliana Sales de Oliveira, executado a tiros na Gardênia Azul, em junho de 2014. O executor, no entanto, explicou que não foi contratado como pistoleiro: matou Zóio por conta de um desentendimento envolvendo negócios com máquinas eletrônicas.
Lessa também mencionou que, na época do monitoramento de Marielle, foi contratado para matar outra mulher: a então presidente do Salgueiro, Regina Celi. Recebeu a missão do mesmo intermediário do homicídio da vereadora, o sargento