Saiba como estão casos de "rachadinha" e funcionários fantasmas nos gabinetes do clã Bolsonaro
Irregularidades na distribuição de verba parlamentar foram investigadas pelo MP-RJ e pelo MPF
Laboratório do Ministério Público do Rio (MP-RJ) identificou que o chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), Jorge Luiz Fernandes, recebeu R$ 2,014 milhões em créditos repassados de contas de outros seis servidores nomeados no gabinete do "zero dois". Além da prática, conhecida como "rachadinha", há ainda a investigação de possíveis contratações de funcionários fantasmas.
Leia também
• Inquéritos e ações contra Bolsonaro chegam a 24; entenda
• Bolsonaro "pareceu chorar" ao negar fraude, diz NYT
Investigações sobre prática da "rachadinha" e do desvio de recursos de gabinete por meio de funcionários fantasmas pairam sobre outros integrantes da família Bolsonaro, que foram alvo de investigações do Ministério Público do Rio (MP-RJ) e do Ministério Público Federal (MPF).
Nos últimos anos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Flávio Bolsonaro (PL) também foram alvo de investigação sobre escândalos envolvendo uso de funcionários fantasmas e repasse irregular de parte ou a totalidade dos salários de funcionários.
Jair Bolsonaro
Investigação do Ministério Público Federal apresentou à Justiça Federal, em 2022, ação de improbidade administrativa contra o então presidente Jair Bolsonaro por manter a ex-secretária parlamentar Walderice Santos da Conceição, conhecida como "Wal do Açaí", lotada em seu gabinete, quando era deputado federal. Bolsonaro é acusado de desviar verba parlamentar através da nomeação da assessora, que seria funcionária fantasma.
Walderice esteve lotada no gabinete do então parlamentar na Câmara dos Deputados entre 2003 e 2018. Os promotores à frente do caso apontaram que, durante os mais de 15 anos em que ocupou o cargo, "Wal do Açaí" nunca esteve em Brasília, não exerceu qualquer função relacionada ao cargo e ainda prestava serviços de natureza particular a Bolsonaro, juntamente com seu companheiro, Edenilson Nogueira Garcia.
Ainda segundo o MPF, a suposta funcionária fantasma retirava 83% da remuneração recebida, o que poderia configurar desvio dos recursos. A ação ainda aponta que Bolsonaro sabia que Walderice não prestava os serviços correspondentes ao cargo, mas atestava a sua presença mesmo assim.
Durante o período em que atuou como deputado federal, Bolsonaro ainda nomeou parentes de sua ex-esposa, Ana Cristina Valle, a cargos em seu gabinete. Entre 1998 e 2007, surgiram listas de funcionários do gabinete. Entre eles, estão o pai da ex-esposa, José Cândido Procópio Valle, nomeado em 1998. Em seguida, foi a vez de Juliana Siqueira Vargas, prima de Ana Cristina.
Em 2002, foram nomeadas a mãe da ex-esposa, Henriqueta Guimarães Siqueira Valle, e a irmã, Andrea Siqueira Valle. As duas não chegaram a completar o Ensino Fundamental e passaram boa parte da vida trabalhando como donas de casa. Em 2006, foi a vez do irmão, André Luiz Procópio Siqueira Valle, e o primo, André Luiz Siqueira Hudson.
Como o GLOBO mostrou, além de possibilidade de nepotismo, as nomeações são indícios da prática de "rachadinha".
Flávio Bolsonaro
Em 2018, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) revelou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PL), Fabrício Queiroz, durante o período em que o "zero um" ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Entre 2007 e 2018, o dinheiro, segundo os promotores, era lavado com aplicação em uma loja de chocolates em um shopping no Rio de Janeiro, que já foi alvo de busca e apreensão. Ao todo, 13 funcionários participaram do esquema de "rachadinha" do gabinete do então deputado estadual, coordenado por Queiroz, que chegou a ser preso em 2020, no curso das investigações. Ao todo, foram identificados 383 depósitos na conta do ex-assessor.
Outra forma de lavagem de dinheiro foi a partir da compra de imóveis com dinheiro em espécie, sacado direto no caixa por Queiroz. Parte desses recursos também foi usado para quitar despesas pessoais do parlamentar, como a mensalidade da escola da filha.
Em 2020, o então procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, denunciou Flávio Bolsonaro e outras 16 pessoas, incluindo Fabrício Queiroz, ao Tribunal de Justiça do Rio pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato e apropriação indébita no caso.
Na denúncia, o "zero um" foi apontado como líder da organização criminosa e Queiroz, como operador do esquema de desvio. O MP apontou, à época, que o senador usou, pelo menos, R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo no esquema.
A defesa do agora senador alegou que, por ter foro privilegiado em função de cargo público, o caso deveria sair da alçada do Tribunal de Justiça do Rio, em que decisões contrárias ao "zero um" foram expedidas pelo juiz Flávio Itabaiana. Recursos interpostos pela defesa de Flávio levaram o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que não havia fundamentação suficiente para embasar solicitações de quebra de sigilo solicitadas pelo MP na condução da investigação.
Em 2021, o STJ anulou as decisões tomadas na Justiça fluminense e deu fim à investigação. Neste ano, o MP do Rio, no entanto, apresentou mais um recurso para retomar as investigações envolvendo o senador.
Carlos Bolsonaro
O Ministério Público do Rio instaurou, em 2019, dois procedimentos para investigar denúncias de uso de funcionários fantasmas e aplicação do esquema de "rachadinha" no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio. A denúncia foi protocolada com base em reportagem da revista "Época" publicada em junho daquele ano, que mostrava que o "zero dois" empregou sete parentes da sua ex-madrasta Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan.
À "Época", quatro funcionários admitiram que nunca chegaram a trabalhar para o vereador, embora tenham sido nomeados, o que configura como contração de funcionários fantasmas. Uma das principais investigadas pelo MP foi Marta Valle, professora de Educação Infantil e cunhada de Ana Cristina Valle, ex-madrasta de Carlos. Ela ficou lotada no gabinete entre 2001 e 2009, com remuneração que chegou a R$ 17 mil, somando os auxílios. À revista, ela negou ter trabalhado para o "zero dois" e a Casa informou que ela não tinha crachá como assessora.
Na apuração dos fatos, feita no âmbito do Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do MP e divulgada nesta quinta-feira, foram investigados 27 pessoas e cinco empresas ligadas a Carlos Bolsonaro.
Segundo a estrutura identificada pelo órgão, Jorge Luiz Fernandes usou contas pessoais para pagar despesas pessoais de Carlos, mas ainda apura se os pagamentos foram eventuais ou regulares. O MP ainda procura descobrir se o "zero dois" foi efetivamente beneficiado do desvio de salários de seis servidores lotados no gabinete.