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Silvio Almeida: entenda a diferença entre assédio, importunação e outros crimes sexuais

Ministro chama acusações de 'ilações absurdas' e diz ter acionado órgãos de investigação para apurar o caso

Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida  - Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

A organização Me Too revelou nesta quinta-feira que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.

Em nota, o ministro nega as acusações, diz tratar-se de "ilações absurdas" e afirma que acionou a Controladoria-Geral da União, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Procuradoria-Geral da República para que façam uma apuração cuidadosa do caso.

Embora seja comum o uso do termo assédio para se referir a crimes de violência sexual, os casos têm diferentes entendimentos jurídicos. São os chamados tipos penais, artigos que constam do Código Penal e que definem qual a característica do crime e a pena a ser aplicada.
 



Alguns são mais recentes, como a importunação sexual, cuja lei foi criada em 2018. Já o assédio sexual foi definido na legislação como crime há 20 anos.

Veja abaixo as características de cada crime

Assédio Sexual
A Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, acrescentou um artigo ao Código Penal para definir o crime de assédio sexual como "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".

Assim, para que seja entendido como assédio, o caso deve envolver relação hierárquica e, por isso, é mais comum que ocorra em ambientes de trabalho. Mas a advogada Daniela Borges lembra que há jurisprudência para casos de assédio sexual, por exemplo, em "relações de professor e aluno ou de um ministro religioso e seu fiel". A pena para o crime é a detenção pelo prazo de 1 a 2 anos.

– É um crime que envolve constrangimento, no sentido de forçar alguém a algo. Por exemplo, uma ameaça de demissão ou de promoção com o objetivo de conseguir um favor sexual – explica a advogada Daniela Borges. – Não é necessário que a pessoa ceda para caracterizar o tipo penal.

Importunação sexual
Mais recente, a lei 13.718 foi sancionada em 24 de setembro de 2018 e acabou conhecida como lei da importunação sexual. De acordo com o texto, trata-se de "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro".

– Note que não é preciso existir uma relação prévia entre vítima e agressor, diferentemente do crime de assédio sexual – destaca Daniela Borges, lembrando que a origem da lei foi um caso de 2017 em que um homem se masturbou no transporte público em São Paulo e ejaculou na vítima.

Enquadrado primeiramente como réu por estupro, ele acabou solto após uma audiência, em que as autoridades concluíram que o tipo penal não se aplicava, sob a alegação de que ele não havia causado ameaça à vítima durante o ato. Dias depois, ele voltou a se esfregar numa mulher dentro de um ônibus.

– Não tinha um tipo penal: não era estupro, porque, na letra fria da lei, não tinha ocorrido violência ou grave ameaça, mas também não era violação sexual mediante fraude, porque não tinha ocorrido o ato sexual. Era um homem praticando o ato libidinoso e constrangendo a mulher. A lei da importunação sexual veio para responder a isso.

Configuram importunação sexual, por exemplo, atos como uma cantada indesejada ou o toque não consentido, como puxar o braço da mulher ou tentar forçar um beijo. A pena para o crime é de 1 a 5 anos de reclusão.

Violação sexual mediante fraude
A lei de 2009 incluiu no Código Penal o artigo 215, que define a violação sexual mediante fraude como "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima". A pena prevista é de reclusão de 2 a 6 anos.

Aqui, a questão da fraude ou de algo que impeça a manifestação da vontade é central. O agressor pode inventar uma mentira ou criar uma ilusão para conseguir o que deseja. É o caso, por exemplo, de crimes cometidos por líderes espirituais que, sob a falsa promessa de cura, praticam atos sexuais com seus fiéis.

Estupro
O crime está previsto no Código Penal pelo artigo 213. Trata-se de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". A pena, neste caso, varia de 6 a 10 anos de reclusão. Se houver lesão corporal grave ou se a vítima for menor de 18 ou maior de 14 anos, a pena é aumentada para reclusão de 8 a 12 anos. Se o crime resultar em morte da vítima, a lei preconiza que o agressor seja preso pelo prazo de 12 a 30 anos.

Em 2009, a legislação passou a prever também o crime de estupro de vulnerável, com intuito de proteger pessoas que tenham menor possibilidade de defesa, como os menores de 14 anos. A pena, então, varia de 8 a 15 anos de prisão.

O estupro de vulnerável, de acordo com a lei, também inclui quem pratica tais ações com "alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência". Isso se aplica, por exemplo, a uma pessoa que foi dopada ou que está alcoolizada e que, por isso, não tem condições de manifestar sua própria vontade.

Veja abaixo a íntegra da nota do Me Too Brasil sobre a denúncia de assédio sexual contra Silvio Almeida

"Nota Pública - Me Too Brasil - Caso Silvio Almeida

A organização de defesa das mulheres vítimas de violência sexual, Me Too Brasil, confirma, com o consentimento das vítimas, que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos. Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico.

Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional pra a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa.

Vítimas de violência sexual, especialmente quando os agressores são figuras poderosas ou influentes, frequentemente enfrentam obstáculos para obter apoio e ter suas vozes ouvidas. Devido a isso, o Me Too Brasil desempenha um papel crucial ao oferecer suporte incondicional às vítimas, mesmo que isso envolva enfrentar grandes forças e influências associadas ao poder do acusado.

A denúncia é o primeiro passo para responsabilizar judicialmente um agressor, demonstrando que ninguém está acima da lei, independentemente de sua posição social, econômica ou política. Denunciar um agressor em posição de poder ajuda a quebrar o ciclo de impunidade que muitas vezes os protege. A denúncia pública expõe comportamentos abusivos que, por vezes, são acobertados por instituições ou redes de influência.

Além disso, a exposição de um suposto agressor poderoso pode encorajar outras vítimas a romperem o silêncio. Em muitos casos, o abuso não ocorre isoladamente, e a denúncia pode abrir caminho para que outras pessoas também busquem justiça.

Para o Me Too Brasil, todas as vítimas são tratadas com o mesmo respeito, neutralidade e imparcialidade, com uma abordagem baseada nos traumas das vítimas. Da mesma forma, tratamos os agressores, independentemente de sua posição, seja um trabalhador ou um ministro.

O Me Too Brasil oferece escuta e acolhimento qualificados a todos os sobreviventes de violência sexual, por meio do site metoobrasil.org.br/ e do número 0800 020 2806, disponível em todo o território nacional. A organização fornece informações sobre possíveis reparações e oferece apoio psicológico contínuo, focado na saúde mental, no empoderamento e na reconstrução da autonomia das vítimas.

Atendemos todas as pessoas independentemente de raça, origem, poder, classe, orientação sexual, identidade de gênero, idade ou gênero. A identidade e os fatos relatados ao nosso canal 0800 são mantidos em sigilo e só são divulgados publicamente com o consentimento das vítimas ou com a aprovação da equipe técnica responsável pelo acolhimento.

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pelo ministro na noite desta sexta-feira:

"Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país.

Toda e qualquer denúncia deve ter materialidade. Entretanto, o que percebo são ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro.

Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma. Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir as nossas existências, imputando a mim condutas que eles praticam. Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos, perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro.

Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os fatos sejam expostos para serem apurados e processados. E não apenas baseados em mentiras, sem provas. Encaminharei ofícios para Controladoria-Geral da União, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e Procuradoria-Geral da República para que façam uma apuração cuidadosa do caso.

As falsas acusações, conforme definido no artigo 339 do Código Penal, configuram “denunciação caluniosa”. Tais difamações não encontrarão par com a realidade. De acordo com movimentos recentes, fica evidente que há uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso. Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente de visões partidárias.

Quaisquer distorções da realidade serão descobertas e receberão a devida responsabilização. Sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher, e vou continuar lutando pelo futuro delas. Falsos defensores do povo querem tirar aquele que o representa. Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício."

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