'Sombra do presidente', almirante está por trás de fase paz e amor de Bolsonaro
A fase "paz e amor" do presidente Jair Bolsonaro, que evita desde o mês passado uma conduta agressiva e uma postura beligerante, teve a influência de uma personagem dos bastidores do Palácio do Planalto que se tornou peça-chave da atual gestão.
Apelidado de "a sombra do presidente", o almirante Flávio Rocha, 57, tornou-se em seis meses, desde que ingressou no governo, um dos principais conselheiros e articuladores do chefe do Poder Executivo, com participação em decisões estratégicas e acesso livre ao gabinete presidencial.
Descrito como "discreto", "sociável" e "apaziguador", o secretário de Assuntos Especiais da Presidência da República atuou para arrefecer crises recentes, ajudou na sucessão do Ministério da Educação e coordenou a transição do Ministério da Saúde em meio à pandemia do novo coronavírus.
Segundo auxiliares presidenciais, quando se trata de um assunto delicado e que não pode vazar para veículos de imprensa, o almirante é sempre o nome escalado pelo presidente para atuar na linha de frente, incluindo crises institucionais com o Judiciário e o Legislativo.
Recentemente, o braço direito de Bolsonaro sofreu críticas por, segundo assessores presidenciais, ainda ser militar da ativa e por ter participado da indicação do professor Carlos Decotelli para o comando do Ministério da Educação. Decotelli deixou a pasta cinco dias depois.
Ele foi alvo de pressão para migrar para a reserva da Marinha ou deixar o governo. As críticas são as de que, como ele não se aposentou, pode-se confundir a atuação dele no governo com as Forças Armadas. A mesma reclamação é feita em relação ao general Eduardo Pazuello, que comanda a Saúde.
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Rocha, porém, não pretende nem migrar para a reserva nem deixar o governo. Sobre Decotelli, o almirante disse a aliados que o nome não foi sugerido por ele, mas confirma que o apoiou.
Em conversas reservadas, o presidente já disse a militares do governo que confia no almirante e que o lugar dele, mesmo na ativa, está garantido no Palácio do Planalto.
Segundo cálculo informal de auxiliares palacianos, o almirante participa de mais de 90% das reuniões de Bolsonaro no gabinete presidencial. Reconhecido dentro das Forças Armadas pelo conhecimento geral, ele é chamado frequentemente pelo presidente para opinar e aconselhar em temas delicados.
O militar foi nomeado para o comando da Secretaria de Assuntos Estratégicos em fevereiro deste ano. Ele foi escolhido para comandar a estrutura em um novo formato, no qual o órgão deixou de ser vinculado à Secretaria-Geral e passou a responder diretamente à Presidência da República.
A mudança foi pensada exatamente para que Bolsonaro, conhecido pelo perfil inseguro e desconfiado, trouxesse alguém de extrema confiança para auxiliá-lo, bem como para monitorar temas considerados estratégicos e que não podem ser divulgados.
Foi nesse contexto que o próprio mandatário sugeriu o nome do almirante. Jair Bolsonaro e Rocha se conheceram em 2002, quando o militar era chefe da assessoria parlamentar da Marinha da Câmara dos Deputados.
O presidente, que era naquela época deputado federal, se aproximou do militar por defender pautas de interesse das Forças Armadas. Segundo pessoas próximas a ambos, os dois já atuaram juntos, por exemplo, na Credn (Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional).
Nesse período, Rocha fez amizade com deputados e senadores de diferentes partidos, o que, segundo amigos do almirante, o ajudaram a hoje atuar na articulação política sempre quando demandado pelo presidente.
Após a atuação no Congresso Nacional, Rocha foi chefe de gabinete do ex-comandante da Marinha Leal Ferreira e, no ano passado, também comandou o 1º Distrito Naval, que inclui o Rio de Janeiro e, por isso mesmo, é considerado o mais importante.
Naquele momento, Bolsonaro já havia se tornado presidente. E o contato entre Rocha e Bolsonaro, que se tornaram amigos, ocorria ocasionalmente quando o presidente visitava o Rio de Janeiro. Em uma dessas ocasiões, Bolsonaro brincou com Rocha que o levaria para trabalhar com ele em Brasília.
O convite ocorreu no início deste ano. Em fevereiro, o comandante da Marinha, Ilques Barbosa, levou o nome do almirante ao presidente na lista dos militares que seriam promovidos. Rocha havia chegado ao topo da carreira, com quatro estrelas.
Naquele momento, enquanto analisava os nomes, Bolsonaro disse que precisava de um assessor que fosse de confiança. Ele disse que pretendia levar o colega da Marinha para ser seu secretário de Assuntos Estratégicos.
Com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, Bolsonaro chegou a pensar em deslocar Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral, para a pasta. Para o seu lugar, cogitou nomear o almirante. No final, desistiu, já que preferiu indicar André Mendonça para o lugar de Moro.
Além de ter atuado na sucessão da Educação, Rocha foi o responsável por coordenar a transição na Saúde entre as gestões de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo. O almirante participou de todas as reuniões iniciais de Teich e fez a ponte do ministro com o governo.
Ainda no início da pandemia do coronavírus, em março, Rocha teve participação ativa na tentativa de arrefecer os embates do Executivo com o Legislativo e o Judiciário. Em mais de um episódio, ele aconselhou o presidente a diminuir o tom e a não responder a críticas.
O esforço do almirante, somado aos conselhos dos ministros Fernando Azevedo (Defesa) e Fábio Faria (Comunicações), só tiveram efeito em junho, quando Bolsonaro decidiu abandonar a postura agressiva em meio a um cerco jurídico contra seus filhos.
Chamado de Rochinha por pessoas próximas e integrantes do governo, devido à sua estatura baixa, Rocha é considerado um militar culto, ele fala seis línguas, além de bem-humorado e não beligerante. Além do presidente, integrantes da equipe ministerial também costumam pedir conselhos ao almirante.
Em razão do seu perfil e histórico, ele auxilia o governo na interlocução com deputados e senadores. Seus aliados dizem que ele apenas dá suporte à Secretaria de Governo quando solicitado. Na Secretaria de Assuntos Estratégicos, ele tem ajudado na implementação do 5G do marco do saneamento básico.
Na última semana, devido ao diagnóstico positivo de Bolsonaro ao coronavírus, a "sombra do presidente" deixou de acompanhá-lo.
Isso porque, além do risco de contágio, o almirante mora em Brasília com a mãe de 90 anos, idade considerada do grupo de risco.