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STF retoma julgamento sobre juiz de garantias, suspenso em 2020 após liminar

Tendência é que Corte seja favorável à implementação do mecanismo

Supremo proíbe uso da tese da legítima defesa da honraSupremo proíbe uso da tese da legítima defesa da honra - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (9) o julgamento de quatro ações diretas de inconstitucionalidade que questionam diversas regras do pacote anticrime, entre elas as que implementam a figura do juiz das garantias.

A medida foi suspensa, em janeiro de 2020, por uma liminar deferida pelo ministro Luiz Fux. O Globo apurou que a maioria dos ministros deve ser favorável à implantação da mudança, e que há a expectativa de que a análise seja concluída ainda nesta semana.

O juiz de garantias seria um magistrado que cuidaria da instrução do processo, como a supervisão das investigações e a decretação de medidas cautelares. Neste modelo, outro juiz ficaria responsável pelo julgamento, analisando se o réu é ou não culpado.

A análise das ações começou em junho e foi suspensa por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Único a votar até agora, Fux, que é o relator, afirmou que a lei original era um "cavalo de Troia", em referência à lenda grega de um ataque disfarçado como um presente. Ao sugerir mudanças, o relator considerou que é preciso levar em conta as "dificuldades" de cada local.
 

Apesar de concordar com a autorização de implementação do mecanismo, o ministro defendeu que deve ser considerado inconstitucional um artigo que determina que o juiz que atuar na fase de investigação fica automaticamente impedido de atuar no resto do processo. Ele considerou que essa regra poderia impedir a participação, por exemplo, de magistrados que atuem excepcionalmente no processo, como em uma substituição eventual.

Em um ponto que determina que alguém que for preso deve ser apresentado ao juiz de garantias no prazo de 24 horas, para a audiência de custódia, o ministro sugeriu que haja uma exceção em caso de “impossibilidade fática”. Fux ainda defendeu que as audiências possam ser feitas por videoconferência e que sejam realizadas em todos os tipos de prisão, e não apenas em flagrante.

O relator também propôs alterar um trecho que estabelece que um investigado que foi preso deve ser solto caso o inquérito não seja concluído após uma prorrogação de 15 dias. O ministro sugeriu que a prisão pode continuar com base em uma decisão que reconheça a “complexidade da investigação”.

Juristas ouvidos pelo Globo acreditam que a aplicação do juiz de garantias será uma "evolução processual". Para Celso Vilardi, advogado criminalista e professor da FGV-SP, embora possa aumentar o número de juízes, o novo instituto não deve causar um impacto muito grande.

— A implementação do juiz de garantias poderá aumentar um pouco o número de juízes. Mas ainda que possa haver impacto, o que está em jogo é a questão da efetividade do processo penal. Quando se verifica grandes operações como a "castelo de areia" e, agora, a Lava-Jato, percebe-se que o custo para o Estado e para a sociedade é muito maior do que um pequeno aumento do número de magistrados — explica.

Como pensam os ministros
O posicionamento de Fux, no entanto, não deve ser acolhido pela maioria dos ministros da Corte, que entendem que a implementação do juiz de garantias deve ocorrer. Em declarações e posicionamentos feitos antes e depois da suspensão, ao menos cinco ministros do STF já indicaram que podem ser favoráveis à mudança: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques.

Um dos principais defensores do mecanismo dentro do STF é o ministro Gilmar Mendes. Em maio, Gilmar afirmou que é preciso "reorganizar" o Judiciário para evitar "parceria" entre o juiz e o Ministério Público — o que ele considera que houve na Operação Lava-Jato.

— A única forma de organizar a fuga para frente é reorganizando o Judiciário. É evitando esse tipo de parceria, de sociedade, entre promotor e juiz. E a única forma de fazê-lo é via juiz de garantias — disse o ministro, durante sessão no plenário do STF.

Antes da decisão de Fux, o então presidente do STF, Dias Toffoli, já havia dado uma decisão sobre o tema, que foi derrubada posteriormente pelo colega. Ao contrário de Fux, que suspendeu a norma por tempo indeterminado, Toffoli apenas adiou por seis meses sua implementação. Na decisão, Toffoli afirmou que a criação do juiz de garantias era uma opção legítima do Congresso.

"Trata-se, portanto, de uma legítima opção feita pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, que, de modo algum, afeta o necessário combate à criminalidade", escreveu na época.

Ainda em janeiro de 2020, também antes da decisão de Fux, Alexandre de Moraes afirmou em uma entrevista que o mecanismo é "factível" e não era "ruim", apesar de não considerar "imprescindível".

— Era absolutamente necessária essa mudança? Eu vou dizer que, a meu ver, não. Eu não entendo que fosse imprescindível. Agora, essa mudança é ruim? Não. Essa mudança é factível? Sim — afirmou, em entrevista ao historiador Marco Antonio Villa.

Após a decisão de Fux, André Mendonça — que na época era advogado-geral da União (AGU) — defendeu no STF a constitucionalidade do mecanismo, dizendo que ela traria "maior isenção e imparcialidade" e que não haveria um aumento de estrutura do Judiciário.

"Trata-se de uma garantia institucional em prol de maior isenção e imparcialidade nas decisões proferidas na fase processual, a ser obtida pela preservação de um maior patamar de neutralidade cognitiva do juiz sentenciante", escreveu.

Meses mais tarde, Nunes Marques foi questionado sobre o tema em sua sabatina no Senado, antes de ser nomeado para o STF, e avaliou que o debate seria em torno da implementação, e não do mérito do mecanismo.

— Com relação ao juiz de garantias, a matéria também já foi conformada nesta Casa. Existe uma suspensão no Supremo Tribunal Federal, mas eu creio que é mais em razão, pelo que foi decidido, de como isso será procedimentalizado — afirmou, acrescentando: — Então, absolutamente, não tem o que se falar neste momento nada contra o juiz de garantia. Tudo que for de garantia acho que é importante, mas a dúvida talvez esteja no Supremo em torno de como dar efetividade a esse instituto.

Mais novo integrante do Supremo, Cristiano Zanin também já se posicionou de maneira favorável ao juiz de garantias. Em 2021, o futuro ministro publicou o artigo intitulado "O juiz das garantias e a tunnel vision” em parceria com a advogada Graziella Ambrosio. Na publicação, dividida em duas partes, Zanin e Ambrosio chamam o juiz de garantias de medida “indispensável”, e sua concretização é classificada como “urgente”.

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