Surpresa de Bolsonaro e restrições: os bastidores do início do julgamento sobre golpe no STF
Apreciação da denúncia da PGR contra o ex-presidente e sete aliados continuará na manhã desta quarta-feira
Palco do julgamento que pode tornar réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o general Walter Braga Netto e outras sete pessoas, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) viveu momentos de tensão no primeiro dia da análise da denúncia do golpe, nesta terça-feira. Pouco antes da sessão começar, ministros foram surpreendidos com a presença do próprio ex-mandatário no plenário. Além disso, um advogado chegou a ser detido por desacato após ser barrado ao tentar entrar no local.
Antes da sessão ser iniciada, às 9h30, a sala do colegiado passou por uma varredura feita pela polícia judicial. Do lado de fora do prédio que abriga a turma, conhecido como "Igrejinha", advogados e a imprensa precisaram esperar até que o sinal verde fosse dado para o ingresso no local.
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Pouco antes do início do julgamento, a chegada de Bolsonaro provocou uma intensa movimentação no plenário. A ida do ex-presidente não foi avisada com antecedência, e a segurança do Supremo soube apenas minutos antes que ele se aproximava.
Como sua presença não estava prevista, Bolsonaro não tinha lugar reservado pelo cerimonial — mas foi rapidamente acomodado na primeira fileira da área central do plenário, ao lado de dois de seus advogados, Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno.
O ex-presidente foi cumprimentado por alguns dos presentes, como o deputado federal Mário Frias (PL-SP) e advogados de outros denunciados. A ida do ex-presidente foi vista por alguns integrantes da Corte como uma forma de tentar constranger os ministros.
Antes de o julgamento começar, o público recebeu uma série de orientações, como a proibição a fotografias, vídeos, e o uso do telefone para fazer ligações. Apesar da proibição, alguns dos deputados federais publicaram registros da sessão: Evair de Melo (PP-ES), Zé do Trovão (PL-SC) e Zucco (PL-SC) postaram em suas contas no Instagram fotos e um vídeo do julgamento.
Zé do Trovão chegou a ser advertido pela segurança em um momento, mas conseguiu fazer uma foto mesmo assim.
O público também estava proibido de fazer manifestações de apoio, vaias ou aplausos, sob pena de serem retirados do local — a regra foi cumprida praticamente à risca, e o silêncio dentro do plenário só foi rompido por um alarme de celular que tocou e atrapalhou a fala de um dos advogados.
Outra regra para a presença na Primeira Turma era a vedação do consumo de bebidas e comidas, mas no saguão da sala da Primeira Turma o Supremo disponibilizou água, café, biscoitos, bolos e pães de queijo.
Logo no início da sessão, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, fez uma rápida aparição nos bastidores da turma, e observou o julgamento por 20 minutos. A presença do presidente do STF em uma sessão da turma é inusitada, e foi vista como uma sinalização da importância do julgamento e apoio aos ministros que integram o colegiado.
Um princípio de confusão ocorreu do lado de fora do prédio onde fica a turma ocorreu quando alguns deputados que não estavam cadastrados previamente para assistir a sessão quiseram entrar do local. Após um ajuste com a segurança do STF e com o presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin, os parlamentares foram liberados, pois havia lugares reservados para autoridades.
A confusão de fato ocorreu quando o advogado Sebastião Coelho, que representa o ex-assessor Filipe Martins, quis entrar no plenário mesmo sem ter feito o credenciamento obrigatório. De acordo com o STF, foi oferecida ao defensor a possibilidade de acompanhar a sessão por um telão na Segunda Turma, o que o advogado não aceitou.
Com a negativa, o advogado começou a gritar do lado de fora da Turma. Na parte de dentro, o ministro Alexandre de Moraes terminava de ler o relatório do processo – e os gritos do homem puderam ser ouvidos, o que gerou uma movimentação no plenário. Ele foi detido em flagrante pela polícia judicial por desacato, e logo depois liberado.
Mesmo com o tumulto gerado pelos gritos do advogado, a sessão prosseguiu e as etapas foram sendo cumpridas. Da plateia, Bolsonaro falava com os advogados, com quem cochichava, e encarava fixamente Moraes – sobretudo quando o ministro do STF lia a descrição dos crimes imputados a ele pela PGR. O ex-presidente colocou os óculos algumas vezes para ler algo em seu celular ou no celular de seus auxiliares, que esporadicamente o mostravam algo.
Antes de o advogado Celso Vilardi fazer a sustentação oral em nome do ex-presidente, Bolsonaro o ajudou a vestir a toga, roupa que todos os defensores precisam usar antes de subir à tribuna e dirigir a palavra aos ministros. Onde estava sentado, o ex-presidente estava à esquerda de Moraes e de frente para Cristiano Zanin e Paulo Gonet. Do lado esquerdo do plenário, na plateia, também estavam alguns familiares de vítimas da Ditadura Militar, como a jornalista Hildegard Angel, e o filho de Vladimir Herzog.
O julgamento parou para um intervalo do almoço e, na volta, pouco antes das 14h, Bolsonaro já estava na sala de julgamentos, sentado no mesmo lugar de antes e mexendo no celular. Como a sessão ainda não havia começado, algumas pessoas que estavam na plateia aproveitaram para cumprimentar o ex-presidente. No retorno pós- almoço, um dos advogados que estava na primeira fileira, perto de Bolsonaro, mudou de lugar. Cézar Bittencourt, que defende o tenente-coronel Mauro Cid e responsável pela delação premiada feita por ele, se deslocou para o lado esquerdo da sala.
Em um determinado momento da sessão, Bolsonaro recusou um copo d’água entregue pelo assessor Fábio Wajngarten, mas aceitou a oferta quando o aliado retornou com uma garrafa fechada de água mineral.
Durante análise dos questionamentos preliminares apresentados pelas defesas, Moraes apresentou slides para reforçar seus argumentos. Primeiro, o ministro apresentou dados sobre os condenados pelos atos golpistas do 8 de janeiro — para rebater a alegação de que seriam "velinhas com Bíblia na mão".
Depois, em outros momentos, exibiu os registros de acessos dos advogados aos autos da investigação e o índice do relatório final da investigação, feito pela Polícia Federal (PF). O objetivo foi contestar, respectivamente, os argumentos de falta de acesso às provas e de que documentos da apuração teriam sido apresentados sem lógica ou organização.
Nas sustentações orais, Cármen Lúcia e Flávio Dino fizeram questionamentos a advogados, algo que não é corriqueiro na análise de denúncias.
Ao fim da fala de Paulo Cintra Pinto, que defende o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal Alexandre Ramagem, Cármen Lúcia perguntou se ele havia dito que seria "dever da Abin apurar a segurança e a fiscalização das urnas". O advigado afirmou que a agência tem essa função porque ela envolve a soberania nacional, e a ministra contestou:
— Vossa Excelência anotou urnas. E urnas são de outro Poder — afirmou Cármen, que atualmente também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em outro momento, Flávio Dino tirou uma dúvida sobre uma data citada por Eumar Novacki, que defende o ex-ministro Anderson Torres, e brincou que não tinha entendido o que ocorreu nesse dia por "limitação orgânica" sua.