TCU vai investigar contrato assinado por Mario Frias com empresa sem funcionários
A empresa se trata de uma construtora que nunca prestou serviços ao governo Federal
O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu um procedimento para analisar o contrato firmado pela Secretaria Especial da Cultura com uma empresa que não tem funcionários e que tem como sede um endereço de caixa postal. A Construtora Imperial foi contratada, sem licitação, por R$ 3,6 milhões para fazer uma reforma no Centro Técnico Audiovisual (CTAv), no Rio. O acordo foi assinado pelo secretário, Mario Frias.
O caso foi revelado pelo Globo. Na quarta-feira (8), o TCU informou que "está realizando a fiscalização sobre a contratação emergencial da empresa”. “O processo está em análise pela área técnica e será posteriormente enviado ao relator, que levará sua proposta para apreciação do Plenário”, afirmou a corte, em nota.
A apuração instaurada no TCU teve como origem uma representação feita à corte pelos deputados federais Felipe Rigoni, Tabata Amaral e Alessandro Molon, todos do PSB, e tem como base as informações trazidas na reportagem. “Não se pode admitir a contratação de empresa sem qualquer experiência no ramo e sem referências objetivas que resguardem a prestação adequada do serviço de conservação e manutenção do Centro Técnico Audiovisual (CTAv). O edifício possui importante acervo do cinema nacional e já foi constatado o eminente risco de incêndio e desabamento de sua estrutura”, diz trecho da representação.
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Aberta em maio de 2019, a Construtora Imperial, registrada na Paraíba, deverá prestar serviços de conservação do CTAv, um edifício da União onde estão armazenadas relíquias do cinema nacional, em Benfica, na zona norte do Rio. Conforme mostrou O Globo, a empreiteira pertence a Danielle Nunes de Araújo. No início do ano passado, ele se inscreveu no programa de auxílio emergencial do governo e recebeu o benefício por oito meses seguidos.
A reportagem foi publicada em 3 de dezembro. No mesmo dia, a secretaria da Cultura publicou uma nota nas redes sociais, compartilhada pelo próprio Frias, alegando que o contrato foi firmado de forma regular e que a empresa atendeu a todos os critérios técnicos exigidos para prestar os serviços.
#NotaOficial
— Secretaria Especial da Cultura (@CulturaGovBr) December 4, 2021
A Secretaria Especial da Cultura vem a público esclarecer uma fake news: o contrato emergencial do CTAV obedeceu aos requisitos legais, e foi escolhida a proposta de menor preço. + pic.twitter.com/mKmSpS375f
Ao longo das duas últimas semanas, porém, O Globo tem buscado, junto ao órgão, acesso a documentos que detalham a contratação. A secretaria, porém, tem mantido em sigilo o detalhamento do processo de contratação. O contrato não foi publicado, tampouco qualquer informação sobre a dispensa de licitação no Portal da Transparência do governo Federal. A secretaria não explica por que o secretário Mario Frias, apesar de dizer em nota que não foi o responsável pela contratação, foi quem assinou a portaria de dispensa de licitação, publicada em Diário Oficial da União.
Em agosto, um estudo técnico encomendado pelo próprio CTAv apontou risco de incêndio e desabamento de parte da estrutura. Num dos trechos, o documento ressalta que há “desaprumo de telhas na fachada frontal”, que pode cair a qualquer momento. Funcionários chegaram a contar que havia ratos no teto do edifício.
Em novembro, Mario Frias assinou a contratação da Construtora Imperial. A empresa, localizada em João Pessoa, tem como endereço um escritório virtual especializado em fazer “gestão de correspondências” para dezenas de firmas. Por telefone, Danielle Nunes de Araújo confirmou que costuma realizar reuniões no local para tratar de contratos. No entanto, o dono do espaço que a empresa declara como sede, Alcir Lima, diz que não se lembra de ter recebido presencialmente a dona ou qualquer funcionário da Imperial.
Além disso, construtora jamais prestou serviços ao governo federal. A empresa não tem um site ou qualquer meio eletrônico que detalhe sua atividade. Entre parentes e pessoas próximas, Danielle não é conhecida como empresária do ramo da construção, mas como dona de casa de perfil discreto. No início do ano passado, ela se inscreveu no programa de auxílio emergencial e recebeu o benefício por oito meses seguidos — R$ 3,9 mil no total.
Ao ser questionada pelo Globo, Danielle não soube dar detalhes dos serviços para o qual foi contratada. Disse apenas que era para "demolir e reconstruir um prédio lá no Rio". O edital de contratação da Secretaria Especial de Cultura, no entanto, não trata de qualquer "demolição" do prédio. O documento destaca que os recursos empenhados na obra servirão para a realização de “serviços técnicos especializados na área de engenharia para manutenção preventiva, corretiva, conservação predial e arquitetônica”.
Além de investigação do contrato por dispensa de licitação, os parlamentares responsáveis pela representação ao TCU pedem que a Corte determine, por meio de uma medida cautelar, que o secretário Especial de Cultura suspenda o contrato celebrado com a Construtora Imperial. “ Os fatos narrados traduzem grave situação em que manobras administrativas colocam em risco o acervo cultural brasileiro, podendo gerar prejuízo relevante ao erário público e enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados”, diz outro trecho da representação.
Ainda no TCU, tramita um segundo pedido de investigação do mesmo contrato, feito pelo deputado David Miranda, do PSOL do Rio de Janeiro. Segundo a assessoria do TCU, essa segunda representação foi recebida pelo Tribunal no dia 6 de dezembro e encontra-se em análise.
Criado em 1985 a partir de uma parceria entre a antiga Embrafilme e o National Film Board, do Canadá, o CTAv é responsável por um acervo com mais de seis mil títulos. O órgão também fornece apoio à produção cinematográfica nacional por meio de empréstimos de equipamentos e estúdios, a custo zero. Nomes como os cineastas Sérgio Sanz (1941-2019) e Gustavo Dahl (1938 - 2011) já passaram pela direção da instituição.
Os bens históricos incluem 15 mil latas de filme, 20 mil negativos fotográficos e cerca de 1,5 mil cartazes. Entre as relíquias, há parte da coleção do diretor pioneiro Humberto Mauro (1897-1993) e películas originais de “Limite” (1931), obra-prima de Mário Peixoto, e “O que foi o carnaval de 1920” (1920), de Alberto Botelho.