Teich diz que pediu demissão por falta de autonomia e cita cloroquina como ponto de divergência
O ex-ministro Nelson Teich (Saúde) afirmou nesta quarta-feira (5) que pediu demissão do governo federal no ano passado por não ter tido autonomia à frente da pasta, situação que ficou mais evidente com as divergências com o presidente Jair Bolsonaro em torno da hidroxicloroquina.
Teich participou de sessão da CPI da Covid do Senado. O ex-ministro permaneceu apenas 29 dias no cargo, no primeiro semestre de 2020, optando pelo pedido de demissão por não contar com "autonomia" e "liderança" diante do combate à pandemia.
"[As razões da minha saída] se devem, basicamente, à constatação de que eu não teria a autonomia e a liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19", afirmou.
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"Enquanto a minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia evidência de sua eficácia para liberar, existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, até do Conselho Federal de Medicina, que, naquele momento, autorizou a extensão do uso."
Teich foi questionado pelos senadores da CPI se houve um fato específico que teria sido a gota d'água para a sua demissão. Respondeu que foi uma sequência de falas do presidente. Na primeira fala, disse que o ministro da Saúde precisava estar afinado com o presidente. Depois afirmou a empresários que seria necessário expandir o uso da hidroxicloroquina.
"À noite, tem uma live, onde ele [Bolsonaro] coloca que espera que, no dia seguinte, vá acontecer isto, que vai ter uma expansão do uso. E aí, no dia seguinte, eu peço a minha exoneração", disse o ex-ministro.
O depoimento de Teich foi o segundo de ex-ministros no âmbito da CPI da Covid, após a participação de Luiz Henrique Mandetta no dia anterior. Ao contrário de Mandetta, Teich evitou críticas abertas a Bolsonaro.
Por outro lado, senadores afirmam que ele trouxe importantes elementos referentes à pressão do governo para a elaboração de um protocolo para ampliar o uso da hidroxicloroquina, medicamento cuja eficácia contra a Covid-19 não está comprovada.
Teich, no entanto, ressaltou que não recebeu uma ordem direta do presidente. O ex-ministro afirma que se trata de uma "conduta tecnicamente inadequada" a adoção da cloroquina para o tratamento da Covid.
"É um medicamento que tem efeitos colaterais de risco. Na realidade, ali o problema era a gente não ter ainda dados concretos do benefício, mas, essencialmente, era a preocupação do uso indevido mesmo. Isso é o que eu falei: não vale para a cloroquina; vale para qualquer medicamento", afirmou.
Teich também afirmou que algumas decisões a respeito do medicamento não passaram pelo Ministério da Saúde. Citou que não houve nenhuma solicitação de sua pasta e que nem chegou a ter conhecimento do aumento da produção de cloroquina pelo Laboratório Químico do Exército.
"Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento."
O ex-ministro também foi questionado a respeito da nomeação de Eduardo Pazuello, que se tornou secretário-executivo do ministério em sua gestão. Reconheceu que se tratou de uma indicação do presidente Bolsonaro, mas que não foi uma imposição.
"Se ele tivesse sido imposto, eu sairia com uma semana em vez de um mês", afirmou Teich. O ex-ministro afirmou que realizou uma entrevista com Pazuello, antes de nomeá-lo para o ministério. Disse que decidiu nomeá-lo pois precisava dar agilidade para a distribuição de equipamentos e insumos.
Ao contrário de Mandetta, que mencionou a presença do vereador Carlos Bolsonaro em reuniões em que foi discutida o uso de hidroxicloroquina, Teich afirmou não se lembrar de nenhuma reunião com a presença de filhos de Bolsonaro.
Teich também criticou uma incompatibilidade que foi criada pelo governo federal, envolvendo economia e saúde. Bolsonaro mantém discurso desde o início da pandemia em oposição a políticas de distanciamento social para não afetar a atividade econômica.
"Quando você discute distanciamento, você não está discutindo distanciamento de dinheiro ou em liberar a economia, você está falando da vida das pessoas. Esse é que foi o grande problema que eu achei. A gente tratou economia como dinheiro e saúde como vida, mas é uma coisa só", afirmou.
Teich também afirmou que em sua gestão "nunca foi discutida" e nem "colocada como estratégia" a teoria da imunidade de rebanho, como forma de superar a pandemia do novo coronavírus.
Uma das principais hipóteses dos senadores da CPI é que o governo Bolsonaro agiu de maneira deliberada para fazer circular o vírus ou pelo menos negligenciando ações para controlá-lo, de maneira que parte da população fosse contaminada e assim fosse atingida uma imunidade coletiva.
"Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato e não da vacina, isso é um erro. Então, a imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas. Então, isso aí não é um conceito correto", afirmou.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, avalia como relevante o depoimento de Teich, que reforça a suposição de que ele não tinha "autonomia" e liderança "indispensáveis ao cargo". "A recomendação do uso da cloroquina foi a gota d'água para demissão porque não havia evidência da eficácia."
"[Teich] reforçou respondendo ao relator e reforçou ao Randolfe, que houve interferências do presidente para expandir o uso da cloroquina: (e que saiu porque tem) 'compromisso com minha própria biografia' (disse Teich)", avalia Calheiros.
O relator também destacou a fala de Teich sobre a falta de qualificação de Pazuello para ocupar o cargo de ministro.
"Na posição de ministro seria mais adequado conhecimento maior sobre gestão de saúde", disse Calheiros.
Teich também disse que não tinha condições de apontar se a recomendação de cloroquina por médicos configuraria crime, mas afirmou que era errada. Vários senadores discordaram. O senador Eduardo Girao (Podemos-CE) disse que Bolsonaro " errou" ao recomendar a cloroquina, embora ele seja defensor do medicamento. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), afirmou que havia um "ataque criminoso" contra a substância.
"O que não dá é pessoas que nunca passaram na porta de uma faculdade de medicina querer saber mais que os médicos", afirmou o presidente Omar Aziz (PSD-AM) em direção a Heinze.
A CPI também foi palco de bate-boca entre senadores governistas e integrantes da bancada feminina. O presidente da comissão chegou a suspender e depois retomou os trabalhos alguns minutos por causa da confusão.
As senadoras, que não foram indicadas por nenhum partido para compor a comissão, reivindicaram o direito a fala como titulares no colegiado, já que não estão representadas na CPI.
Elas argumentaram que o presidente da CPI concedeu o direito a elas de falarem após o vice-presidente, por isso, Aziz passou a palavra a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
Enquanto ela falava, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) a interrompeu para que coubesse a governistas o discurso. Houve bate-boca entre os senadores aliados do governo e as senadoras que estavam na sessão. Nogueira e Marcos Rogerio (DEM-RO) questionaram a decisão de Aziz.
"Vossa excelência acha que vai calar a gente no grito?", perguntou Eliziane a Nogueira.
O presidente da CPI informou que deu o direito à fala das mulheres pela ausências delas no colegiado e a sessão recomeçou com a fala de Eliziane Gama.
A CPI é formada por 11 titulares e sete suplentes. No Senado, dos 81 integrantes, apenas 11 são mulheres.