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Telegram mantém fácil acesso a crimes e desinformação em meio a ataque ao PL das Fake News

Mensagem com desinformação sobre o projeto em tramitação da Câmara motivou ameaça de bloqueio do serviço por parte do ministro Alexandre de Moraes, do STF

Aplicativo TelegramAplicativo Telegram - Foto: Divulgação/Telegram

Crítico à regulação de plataformas digitais em discussão no Congresso e alvo da recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por difundir desinformação sobre o PL das Fake News, o Telegram é foco de preocupação de autoridades e de pesquisadores pelas especificidades de seus serviços, por sua resistência à moderação de conteúdo e histórico de descumprimento de decisões judiciais. Sua infraestrutura, com ferramenta de busca interna, opções de anonimato e ambientes secretos, torna o aplicativo um ambiente propício para a disseminação de práticas criminosas e desinformação.

Em meio à determinação de Moraes, O GLOBO identificou nesta quarta-feira, em poucas horas, chats no aplicativo com vendas de armas, munições, cédulas falsas e até cartão de vacinação. Espaços de mobilização de grupos nazistas e antivacinas e o mercado clandestino de imagens íntimas sem consentimento e de pedofilia também seguem ativos na plataforma mesmo após serem temas recorrentes de investigações e reportagens na imprensa.

Anúncios de armas de fogo e munições em canais e grupos públicos foram encontrados com buscas simples por palavras-chave feitas pelo GLOBO. Uma das mensagens, com mais de 6 mil visualizações, prometia “grande remessa de armas” e citava a disponibilidade de pistolas, espingardas e rifles.

A reportagem também localizou grupos cobrando de R$ 10 a R$ 20 para dar acesso a salas secretas com vídeos íntimos feitos sem autorização. São transmissões captadas ilegalmente de câmeras escondidas em quartos de hotéis, motéis e banheiros, por exemplo.

Em outra frente, grupos antivacina seguem mobilizados por meio do Telegram após anos de pandemia de Covid-19. Nesses espaços, é possível acessar conteúdos que fazem associação entre o imunizante da Pfizer para Covid-19 e abortos espontâneos e dicas de como eliminar a "toxidade de vacinas" com recomendação de uso de ivermectina.

Também há anúncios com oferta de venda de cartões de vacina. Um deles promete comprovantes no Conecte SUS, plataforma do governo federal do com integração dos dados de saúde, e cita disponibilidade de vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI). O canal em questão tem 700 inscritos.

O Telegram permite grupos com até 200 mil pessoas e canais públicos com número ilimitado de inscritos. Hoje, o aplicativo está instalado em 65% dos aparelhos smartphones, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, divulgada em fevereiro. Em 2019, o índice era de apenas 13%.

"Liberdade de expressão absoluta"
Professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos EUA, David Nemer, explica que o Telegram se diferencia de outras big techs em operação no país por se vender como uma plataforma de liberdade de expressão absoluta.

Pavel Durov, fundador do Telegram, traz para a plataforma a ideia de liberdade de expressão absoluta, em que qualquer interferência é vista como censura. Ao atrair uma audiência que quer promover discursos que são criminalizados, Telegram vira o mais próximo de uma plataforma da dark web que a gente tem na internet aberta. Ele traz conteúdos que sempre existiram na periferia da internet para o centro do debate, através de seus espaços facilmente acessíveis, aponta Nemer.

Algumas das características que o tornam tão propício aos crimes são a autodestruição de mensagens, muito usada em chats para venda de drogas ou pedofilia, o anonimato, a ferramenta de busca interna, que funciona como um "Google" com alcance a todo o conteúdo aberto existente na plataforma, publicado por qualquer usuário.

Diferentemente do WhatsApp, em que as contas são associadas a números de telefone públicos — qualquer usuário dentro de um grupo pode visualizar o número telefônico dos demais —, no Telegram os usuários podem frequentar chats sem mostrar foto, número, nome ou qualquer informação que os denuncie.

O Telegram tem um longo histórico de atritos com autoridades. Antes das eleições presidenciais do ano passado, em março de 2022, o aplicativo de mensagens chegou a ser alvo de uma decisão de bloqueio determinada por Moraes sob a justificativa de que descumpria decisões judiciais e desrespeitava a legislação brasileira. Na época, entre as determinações judiciais descumpridas, estava a de bloquear contas ligadas ao youtuber bolsonarista Allan dos Santos, em meio a esforços do STF contra ataques às instituições e ao processo eleitoral.

A empresa, porém, evitou um bloqueio após apresentar medidas para atender às determinações de Moraes. Além de remover as publicações e bloquear canais e perfis indicados pelo STF, o aplicativo indicou um representante legal no país e anunciou medidas para combater desinformação, como o monitoramento dos 100 canais mais populares do Telegram no Brasil, o que levou o ministro da Corte a revogar sua decisão.

O conteúdo extremista, porém, se espalha ao largo da fiscalização e ordens judiciais. Após a Justiça determinar o bloqueio do Telegram no ano passado, grupos e canais neonazistas vêm retomando o espaço no aplicativo. No fim do ano passado, um dos principais chats fascistas do Telegram, o Canais Antissemitas BR, já havia sido bloqueado por determinação da Justiça Eleitoral, mas não desistiu.

Em novembro, os administradores recriaram o chat com outro nome, resgataram o backup com centenas de links para outros grupos e canais com conteúdo neonazista e passaram a discutir táticas de como escapar de novos bloqueios. O chat era popular por reunir um enorme acervo de parceiros que divulgavam conteúdo abertamente violento, misógino, racista e homofóbico.

Mais recentemente, o contexto de ataques a escolas voltou a colocar o Telegram sob pressão. No mês passado, o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou a abertura pelo ministério de um processo administrativo após a plataforma não informar mecanismos adotados para conter conteúdos de ódio e ataques escolares. O processo foi aberto pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). O Telegram foi a única plataforma que não respondeu a pedidos de informação feitos pelo governo federal após ataques em uma creche em Blumenau, e em uma escola estadual de São Paulo.

Poucos dias depois, a Justiça Federal do Espírito Santo determinou a suspensão do Telegram no país por não entregar à Polícia Federal dados sobre grupos neonazistas pedidos pela corporação no caso da investigação do ataque à escola em Aracruz (ES) que deixou quatro mortos no ano passado. A apuração da PF apontou interação do assassino, de 16 anos, com grupos com conteúdos antissemitas pelo Telegram. A Justiça Federal suspendeu, posteriormente, parcialmente a liminar. Apesar de considerar que o bloqueio "não guarda razoabilidade”, o TRF-2 manteve multa diária de R$ 1 milhão pelo descumprimento da determinação de fornecer os dados.

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