"Tentativa de qualquer atentado contra o Estado de Direito já é crime consumado', diz Gilmar Mendes
Decano do Supremo Tribunal Federal (STF) se pronunciou nesta quinta-feira, durante evento em São Paulo, a respeito de plano de assassinato de autoridades descoberto pela Polícia Federal
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rebateu nesta quinta-feira (21) a versão de que o plano de assassinato contra autoridades, que incluiria agentes do Exército e ex-integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL), seria mero ato preparatório e que o ministro Alexandre de Moraes, um dos alvos apontados pela Polícia Federal, deveria se declarar impedido no processo.
— A tentativa de qualquer atentado contra o Estado de Direito já é, em si, criminalizado, de modo que já é um crime consumado — afirmou Mendes, o decano da Corte. — Até porque quando se faz o atentado contra o Estado de Direito e ele se consuma, ele já não mais existe. Então, é óbvio que o que se pune é a própria tentativa de atentar contra o Estado de Direito.
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A Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação na terça-feira (19) que revelou um suposto plano dos “kids pretos”, grupo de elite do Exército Brasileiro, para matar, além de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) após a derrota de Bolsonaro. Entre os suspeitos de participarem da organização do atentado estão os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, ex-ministros do seu governo, e Mário Fernandes, antigo número dois da Secretaria-Geral da Presidência.
A investigação é um desdobramento do inquérito que analisa uma suposta tentativa de golpe dentro do Palácio do Planalto, embasada, entre outros elementos, na delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, em uma “minuta de golpe” obtida em aparelhos telefônicos e depoimentos dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior. O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes, assim como o do 8 de Janeiro.
Após o caso vir à tona, o entorno de Bolsonaro passou a testar argumentos na opinião pública, entre eles o de que o caso, mesmo que fique comprovado, não configura crime e envolve apenas membros de segundo e terceiro escalão do governo passado, ainda que um documento nesse sentido tenha sido impresso nas dependências do Palácio do Planalto, segundo a PF.
— Por mais repugnante que seja pensar em matar alguém, não houve crime nenhum. Um crime precisa ter sido tentado, ter tido início. Tem que descobrir quem imprimiu, mas o crime é imprimir? — disse o senador Flávio Bolsonaro, filho “01” do ex-presidente. — Os atos introdutórios não são crimes. Precisamos de uma anistia para passar uma pedra nessa história do Brasil — declarou o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o “03”.
Gilmar declarou ainda que os fatos são “extremamente graves e preocupantes” e que considera que tanto o Judiciário quanto o Congresso Nacional devem reagir ao teor do que foi revelado na Operação Contragolpe, deflagrada na última terça-feira (19), por meio de “reformas”.
Apontou ainda que “coisas estranhas” ocorreram desde o fim do processo eleitoral que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lembrando de atos de vandalismo em Brasília e da apreensão de uma bomba em um caminhão-tanque que entraria no Aeroporto Internacional, além da própria tolerância das Forças Armadas aos acampamentos golpistas em frente a quartéis.
— Nós tivemos todos aqueles episódios em Brasília. Até hoje não estão todos desvelados ou revelados. Veja, são todos fatos que revelam algum tipo de articulação. E acho que nós estamos faltando com as investigações, acho que precisamos botar luz sobre isso — completou o ministro do STF.
Outro ponto questionado ao ministro diz respeito à possibilidade de Moraes se declarar impedido no processo depois que foi citado como um dos alvos do suposto plano de assassinato. Gilmar Mendes argumentou que “não faz nenhum sentido”, uma vez que ele passou a ser vítima dos ataques justamente por ter assumido a relatoria dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.
— Seria absurdo afastá-lo por isso, num tribunal de apenas 11 ministros. Seria muito fácil engendrar o impedimento do Tribunal inteiro, dizendo que todos eram alvos de ataques, e muitos de nós certamente fomos alvos de ataques.
As declarações ocorreram após evento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), no pavilhão da Bienal do Parque Ibirapuera, em São Paulo, que também contou com a participação da ex-primeira-ministra do Reino Unido Theresa May. Houve reforço na segurança do evento, com acesso mediante passagem em detector de metais e ao menos quatro agentes do grupo de operações táticas da Polícia Civil fazendo rondas com um cão farejador.