Viagens internacionais de Lula abrem brechas entre membros do governo e do Itamaraty
O problema, discutido nos bastidores do Planalto, foi levado a Lula pelo ministro da Fazenda
A convivência provocada pela intensa rotina de viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste terceiro mandato tem gerado episódios de insatisfação entre a ala política do governo e os servidores de carreira do Itamaraty. O problema, discutido nos bastidores do Planalto, foi levado a Lula pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o voo entre as cidades de Johannesburgo, na África do Sul, e Luanda, em Angola, no dia 24 de agosto.
O ministro reclamou que não tem tido compromissos relevantes nas viagens que faz na delegação presidencial. Haddad relatou a interlocutores que na África do Sul fez apenas figuração e que, sendo assim, teria sido mais útil ficar em Brasília para tocar as agendas de interesse de seu ministério, como as votações no Congresso da reforma tributária, do programa Desenrola e da taxação de offshores, além do arcabouço fiscal. O problema já fora vivido por ele em outras viagens em que acompanhou Lula ao longo deste ano.
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Só um encontro bilateral
Na África do Sul, os compromissos do ministro da Fazenda foram todos relacionados ao encontro do Brics (grupo que reúne, além do Brasil, Rússia, África do Sul, Índia e China), a maior parte deles como acompanhante do presidente. Apenas no primeiro dia da viagem é que houve um encontro bilateral com o ministro do Comércio e Indústria da África do Sul, Ebrahim Patel.
Após ouvir o relato durante o voo, Lula imediatamente chamou o embaixador Fernando Igreja, chefe do cerimonial da Presidência, e cobrou que fossem tomadas providências em relação às queixas de Haddad.
Foi decidido, então, que o ministro comandaria uma reunião com um grupo de 18 empresários que pediam a volta dos financiamentos do governo brasileiro a obras em Angola. As operações tinham sido paralisadas por causa da Operação Lava-Jato. No grupo que se reuniu com o ministro, estavam representantes das principais construtoras do país, como a Novonor (ex-Odebrecht), Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. Todas tinham sido envolvidas nas investigações da Lava-Jato. Haddad orientou que os empresários fizessem uma carta à sociedade com pedido para a volta do financiamento e relatando os procedimentos que pretendem adotar para dar transparência à forma como são usados os recursos.
Integrantes do comando do Ministério das Relações Exteriores dizem que quem bate o martelo sobre as agendas de viagens internacionais e da própria comitiva é a Presidência.
Além de queixas sobre a falta de empenho do Itamaraty para marcar compromissos relevantes para ministros em viagens, há rivalidade nos bastidores entre integrantes do Ministério das Relações Exteriores e da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, comandada por Celso Amorim.
A disputa envolve até espaço nas viagens presidenciais. Membros da equipe de Amorim, segundo relatos de assessores do Planalto, se queixam de serem preteridos em detrimento dos diplomatas de carreira.
Protagonismo de Amorim
A Assessoria Especial de Assuntos Internacionais funciona no terceiro andar do Palácio do Planalto, o mesmo onde está o gabinete do presidente. O modelo de divisão de tarefas já havia funcionado nos dois primeiros mandatos de Lula. Na época, o assessor especial era Marco Aurélio Garcia, petista histórico, morto em julho de 2017. Celso Amorim, que é embaixador de carreira e depois de ser ministro se filiou ao PT, era, na época, o chanceler.
No mandato atual, os servidores do Itamaraty, por sua vez, reclamam de serem obrigados a seguir ordens de assessores com pouca experiência nas relações diplomáticas.
Por outro lado, há um incômodo entre os diplomatas com o protagonismo de Amorim nas viagens. Ministro das Relações Exteriores nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010) e em parte do governo Itamar Franco (1992-1994), o atual assessor especial é procurado para entrevistas pela imprensa internacional e se senta ao lado de Lula em quase todas as reuniões internacionais. As queixas são de que Amorim relega ao ministro um papel secundário, restrito a uma função operacional e de administração do Itamaraty.
Apesar da tensão entre as equipes, a avaliação é que a relação direta entre o chefe da assessoria especial e o ministro é boa, sem conflitos. Vieira foi chefe de gabinete no período em que Amorim era chanceler no governo Lula.
Questionado sobre as tensões entre a sua equipe e a do Itamaraty, Celso Amorim afirmou:
— Sem comentários. Eu e o Mauro temos harmonia perfeita e plena consciência dos nossos respectivos papéis.