Vídeo de Bolsonaro mostra tentativa de vincular Lula a general venezuelano
GSI chegou a pedir informalmente para Abin realizar uma missão na Espanha
Em 5 de julho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro iniciou uma reunião com os seus ministros de governo tentando relacionar o ex-chefe de inteligência da Venezuela Hugo "Pollo" Carvajal com Lula e outros líderes políticos da esquerda da América Latina.
— Temos informações do general Carvajal, lá da Venezuela que está preso na Espanha. Ele já fez a delação premiada dele lá. Por dez anos, abasteceu com dinheiro do narcotráfico Lula da Silva, Cristina Kirchner, Evo Morales e essa turma que vocês conhecem — disse Bolsonaro nos primeiros minutos da reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto, conforme vídeo revelado pela colunista Bela Megale, do Globo.
Ao mencionar o caso Carvajal, Bolsonaro ecoava uma notícia falsa de que Lula tentava impedir a extradição de Carvajal para os Estados Unidos. Esse boato, compartilhado no WhatsApp e nas redes sociais naquela época, despertou interesse do então presidente e seus aliados, que passaram a especular sobre uma delação de Carvajal sobre um suposto financiamento ilegal das campanhas do petista, o que foi negado por Lula.
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Interessado no boato, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), subordinado ao general da reserva Augusto Heleno, acionou informalmente a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para levantar informações sobre Carvajal. O plano envolvia enviar, de forma discreta, agentes de inteligência para a Espanha com a missão de apurar o que o militar venezuelano sabia a respeito de Lula e do PT.
Considerado homem de confiança do ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez, morto em março de 2013, Carvajal é acusado pelos Estados Unidos de se associar com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para exportar cocaína à América do Norte. Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o ex-chefe de inteligência seria ex-líder do "Cartel de los Soles", do qual também faria parte outros integrantes do governo venezuelano.
A operação do GSI para levantar informações sobre os segredos de Carvajal não foi adiante, porque a Abin avaliou que a missão extraoficial seria inviável. Carvajal estava preso e as autoridades espanholas não colaborariam. Além disso, como se tratava de uma operação informal, havia o risco de a investida vazar e expor o trabalho da agência de inteligência brasileira em um ano eleitoral.
Procurado, Augusto Heleno não quis comentar a operação envolvendo Carvajal e afirmou que o serviço de inteligência deve agir como "soldados do silêncio":
— Se chegamos a fazer isso, não vai ser dito. O serviço de inteligência trabalha e são conhecidos como soldados do silêncio. Não tem que falar nada — disse o ex-ministro. Heleno ainda afirmou que era "um procedimento de rotina" o GSI enviar nomes para a Abin monitorar.
Infiltrados em campanhas
Em outro trecho da reunião ministerial de julho de 2022, Heleno também relata a Bolsonaro que estava trabalhando na infiltração de agentes da Abin na campanhas eleitorais daquele ano.
— Eu conversei ontem com o Victor (Felismino Carneiro), o novo diretor da Abin. Nós vamos montar um esquema para acompanhar os dois lados que estão fazendo disso. O problema disso é se vazar qualquer coisa. A gente se conhece nesse meio, se houver qualquer acusação de infiltração desses elementos na Abin em qualquer lugar... — disse Heleno, sendo interrompido pelo então presidente de maneira ríspida.
Bolsonaro pediu ao auxiliar que parasse de tratar do assunto para evitar vazamentos e tratarem desse assunto de forma reservada.
— General, eu peço que o senhor não fale. Por favor, não prossiga na tua observação, se a gente começar a falar: 'não vazar', então, esquece, pode vazar, o que por ventura a Abin está fazendo — disse Bolsonaro.
Tanto Bolsonaro como Heleno foram alvos de mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF nesta quinta-feira. Eles são investigados por tentativa de articular um golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito para impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no poder.
Operações internacionais
O caso envolvendo Carvajal não foi a primeira vez que a Abin foi acionada para realizar uma operação internacional. Em 2020, o órgão enviou agentes para monitorar integrantes de organizações não governamentais (ONGs) na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-25), em Madri, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Naquela época, o governo desconfiava que uma rede de ONGs estava tentando minar a imagem de Bolsonaro no exterior.
No Twitter, Heleno admitiu o monitoramento das ONGs e explicou que "temas estratégicos devem ser acompanhados por servidores qualificados, sobretudo quando envolvem campanhas internacionais sórdidas e mentirosas, apoiadas por maus brasileiros, com objetivo de prejudicar o Brasil".
Em outro episódio, o governo também admitiu ter usado a Abin para monitorar em 2019 o Sínodo da Amazônia, que reúne lideranças católicas de todo o mundo. Na ocasião, Bolsonaro e Heleno admitiram que a agência de inteligência acompanhava as discussões sobre o encontro de bispos que naquele ano debateria a situação ambiental do país.