Violência política contra mulheres chega a 31 registros em um ano no MPF
Levantamento feito pelo Globo mostra ainda que 87,5% das postulantes a cargos majoritários das eleições deste ano dizem já ter sofrido ataques de gênero
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"Benny, minha Glock G25 calibre 38 vai dar o tiro de misericórdia na sua testa”. A mensagem enviada em janeiro deste ano é apenas uma da série de ameaças que a vereadora Benny Briolly (PSOL), de Niterói, no Rio de Janeiro, passou a receber após ter sido a mulher mais votada na disputa para a Câmara Municipal, em 2020, e se tornado a primeira trans eleita na cidade.
O caso dela não é exceção. Desde que a lei que criminaliza violência política contra mulheres entrou em vigor, há um ano, dados obtidos pelo GLOBO mostram que o Ministério Público Federal abriu 31 procedimentos para apurar denúncias do tipo, numa média de mais de dois por mês.
Os casos estão concentrados no Rio, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Paraná, Maranhão, na Bahia, em Minas Gerais, Piauí e Santa Catarina. As apurações miram desde tentativas de impedir que parlamentares façam uso da palavra a ameaças de morte. A nova lei se aplica a episódios contra candidatas ou detentoras de mandato eletivo e prevê penas de um a quatro anos de prisão.
As investigações em curso retratam, porém, apenas um pequeno extrato das agressões sofridas por brasileiras que se aventuram na política. Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que 87,5% das postulantes a cargos majoritários das eleições deste ano dizem já ter sofrido ataques.
A reportagem enviou um questionário com 26 perguntas sobre o tema para as 69 candidatas a governos estaduais, Senado e Presidência que foram oficializadas por seus partidos até a última quinta-feira. Por fim, 47 delas responderam. Nesse universo, 72% das entrevistadas acreditam que a violência eleitoral contra as mulheres aumentou muito nos últimos anos, e quase matade diz não se sentir segura para concorrer ao posto pretendido.
Medo e silêncio
A maioria esmagadora das entrevistadas (93,9%) concorda que a violência de gênero afasta as brasileiras da política. Esse dado é particularmente preocupante, pois indica que o déficit de representatividade feminina no poder tende a se perpetuar enquanto elas não se sentirem seguras. As mulheres ocupam apenas de 15% das vagas do Congresso, embora sejam 51,7% da população brasileira, segundo dados do Teste do Censo feito neste ano. Elas também respondem pela maioria no eleitorado: 53%, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A lei aprovada há um ano já deu origem a medidas objetivas contra acusados de praticar violência política de gênero. A Procuradoria Regional Eleitoral do Rio denunciou em junho o deputado estadual Rodrigo Amorim (PL), apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), por agressões e ofensas contra a vereadora niteroiense Benny. Segundo o Ministério Público, durante um discurso transmitido pela TV, Amorim se referiu e ela como “boizebu” e “aberração da natureza”.
Ao Globo, Amorim afirmou não ter mencionado o nome da parlamentar. Ele argumentou ainda que fez referência a ideias do partido dela e que classificou como “aberração” o projeto de Benny que “propõe dar autonomia às crianças para elas usarem nomes do sexo oposto ao biológico”.
— Estou mais empoderada para enfrentar a barbárie — diz Benny, ao explicar por que não planeja deixar a política.
A ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) desistiu de concorrer ao governo gaúcho, em maio, e na ocasião citou os “processos duros e violentos” pelos quais ela e a sua família passaram. Ao GLOBO, porém, ela afirmou que a decisão não foi motivada pelas ofensivas. Na semana passada, Manuela tornou pública uma ameaça de estupro e morte contra ela e sua filha, Laura, de 6 anos.
— A lei é muito relevante, mas ainda não responsabilizou nossos algozes. Eles recebem mandatos e são protegidos pelos conselhos de ética. Enquanto não houver punição para estimuladores de ódio e misoginia, a violência de gênero crescerá — afirmou.
O levantamento do Globo reforça a opinião da ex-deputada, já que 70% das mulheres que responderam ao questionário disseram acreditar que essa violência não está sendo combatida. O reflexo da sensação de impunidade é o silêncio, pois 61,9% das candidatas que relataram casos de ataques preferiram não denunciá-los. O principal motivo: 42,3% acreditam que o agressor não seria punido.
Na semana passada, a líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim recebeu um e-mail ameaçador. Na mensagem, porém, o agressor afirmou que ela seria amarrada e estuprada na frente do filho de 1 ano, e do marido, o também deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
— Tenho que me preocupar com a minha segurança, a do meu filho, perder um dia fazendo um boletim de ocorrência por conta disso. São problemas que homens não têm na política — lamenta.
Todas as esferas
Os episódios de agressões se repetem em todos os escalões, de vereança ao mais elevado patamar eleitoral, a disputa pela Presidência da República. “Feia, baranga e gorda” foram os adjetivos usados por um usuário no Twitter para se referir a Simone Tebet (MDB-MS), senadora e candidata ao Palácio do Planalto. Em um vídeo compartilhado no WhatsApp um homem chama a emedebista de “senhora escrota”.
Tebet diz que, hoje, já sabe lidar com esse tipo de ataque e lamenta a diferença de tratamento dispendido a candidatos e candidatas.
— Para nós, tudo é superlativo. Fake news cola mais. Se tem opinião, é considerada arrogante, prepotente. Se faz no anonimato e quieta é chamada de fraca. Nós, políticas, somos sempre analisadas com uma determinada lupa — exemplifica a senadora.
Ainda de acordo com o levantamento, três em cada dez mulheres relatam ter sofrido violência dentro do próprio partido. São situações de desmerecimento até “cantadas” inapropriadas no ambiente institucional e restrições econômicas à campanha, esta última relatada por 16% das postulantes.
— Partidos deveriam prever expulsão de filiados condenados por casos de violência e discriminação contra mulheres. Casas legislativas deveriam considerar tais atos como quebra de decoro — defende Gabriela Araujo, professora de Direito da PUC-SP.
Homens na ponta
Para garantir a aplicação da lei, a Procuradoria-Geral Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assinaram um acordo para atuação conjunta no combate à violência política de gênero na última segunda-feira. Denúncias enviadas ao tribunal, por exemplo, são automaticamente direcionadas à Procuradoria, que tem atribuição de investigá-las. À frente do Grupo de Trabalho de Violência Política de Gênero da PGE, a procuradora Raquel Branquinho afirma que esse tipo de violência tem sido usado como propaganda.
— O discurso de ódio é utilizado como mecanismo de promoção pessoal para atrair determinado público que, por vezes, é suficiente para eleger o autor do discurso — afirma.
Segundo a secretária-geral do TSE, Christine Peter, é necessário mulheres em postos de comando para que as punições não sejam amenizadas:
— A gente tenta fazer com que a legislação eleitoral seja a parte de uma política pública inclusiva em relação a mulheres na política. Não vai dando certo porque a maioria das pessoas que vão aplicar essa lei é homem.