Caso Marielle

Viúva de Anderson teme que vazamento de delação de Ronnie Lessa afete investigação

Agatha Arnaus Reis prega cautela sobre colaboração de ex-PM e afirma acreditar que a família das vítimas seria chamada para reunião com autoridades

Agatha Arnaus Reis é viúva do motorista Anderson Gomes, morto a tiros em março de 2018Agatha Arnaus Reis é viúva do motorista Anderson Gomes, morto a tiros em março de 2018 - Foto: Reprodução/Instagram

A viúva de Anderson Gomes teme que o vazamento da delação de Ronnie Lessa, preso como autor dos disparos que mataram o motorista e a vereadora Marielle Franco, prejudique o andamento da investigação. Agatha Arnaus Reis afirma ter sido surpreendida, logo ao acordar, no último domingo, com a notícia do envio da colaboração para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde então, ela conta que oscila entre a esperança, o ceticismo e a cautela, depois de "tantos altos e baixos e outros vazamentos" do caso, que se arrasta há seis anos.

Em entrevista ao Globo, Agatha destaca que levou "alguns minutos" para entender "o que estava acontecendo", ao ver as mensagens de celular sobre a delação de Ronnie Lessa. Ainda que exista uma colaboração, reforça ela, ainda ainda precisa ser homologada pelo STJ. Agatha afirma que, até essa sanção da Justiça, "não há nada de fato".

"Foi uma surpresa. Essa especulação ou esse vazamento de informação, caso tenha sido feita a delação, prejudica o andamento do caso porque é preciso parar, apagar o incêndio. Tudo acaba se voltando para o cenário que está sendo apresentado naquele momento para só depois retomar [a investigação]. Fora que nós, da família e os que nos apoiam, ficamos buscando informações, revivendo momentos dolorosos, sentindo novas dores. As notícias surgem como esperança para as respostas que aguardamos, mas podem não ser nada" destaca Agatha.

Agatha demonstra ceticismo quanto ao fechamento de um acordo de Ronnie Lessa. Ela compara à situação ao momento em que o ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso em 2019 suspeito de participar dos assassinatos, resolveu delatar. Naquela ocasião, as famílias das vítimas, segundo ela, foram logo chamadas para uma reunião com autoridades.

"Quando da delação do Élcio, tivemos uma conversa, na coletiva no MP [Ministério Público], sobre como seria se o Ronnie também buscasse falar. Acredito que, principalmente depois que Élcio falou, as investigações puderam ser mais desenvolvidas naquele momento e possam contribuir para que o Ronnie fale também. Daquela vez, logo teve a reunião. Não imagino que seria diferente agora. Acredito que, se uma possível delação do Ronnie estivesse pronta e podendo ser comentada, haveria uma reunião como essa" destaca a viúva de Anderson.

Este mês, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse, em entrevista à CBN, que a investigação sobre o caso terá uma desfecho definitivo ainda no primeiro trimestre deste ano. Agatha afirma esperar "ansiosamente" por essa resolução e "que as promessas sejam cumpridas de fato".

Ao Globo, Agatha conta que a morte de Anderson "moldou" a vida da família há quase seis anos. Algumas preocupações de mãe se dissiparam e vida "ficou mais colorida", segundo ela, ao ver que o filho do casal, Arthur, hoje com 7 anos, se desenvolveu "tão bem" no último ano. Ela tenta manter a memória do pai viva na criança com a ajuda de fotos e vídeos.

"Ele sempre teve lembrança do pai. Antes, ele chorava muito e tinha febre todo dia 14 [Anderson foi morto em 14 de março]. Acredito que, por acompanhar muito as notícias, ver na TV, eu acabava chorando e o Arthur sentia muito. Sempre estou mostrando vídeos e fotos e contando coisas sobre o Anderson para ele, então ele reconhece e chama de papai. Faz parte das nossas vidas essa ansiedade pela resolução. Assiste aos vídeos do Anderson sempre, vou à igreja conversar com ele e até me lembro da risada que ele daria quando, por exemplo, visse o Arthur sem o dente de leite" destaca.

Filha de Lessa cogita cortar relações
Parentes do ex-PM também disseram que foram pegos de surpresa depois da revelação, pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, no último domingo, de que a delação premiada de Lessa, em que ele aponta o mandante do crime, foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Como a colaboração tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), isso indica que quem mandou matá-la tem foro por prerrogativa de função. Entre os nomes investigados pela polícia e pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) conhecidos até agora, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão é o único com tal privilégio.

A filha do ex-sargento da Polícia Militar afirmou que vai romper relações com o pai caso fique confirmado que ele cometeu o crime, em março de 2018. Mohana Lessa classificou a execução como uma "atrocidade", que, segundo ela, "vai contra tudo" o que a família pensa.

A manifestação faz parte de uma nota publicada em primeira mão pelo ICL Notícias e, mais tarde, enviada por Mohana ao Globo. Na mensagem, a filha de Ronnie Lessa destaca que o pai sempre lhe garantiu ser inocente e até a ajudou nas defesas dos processos.

"Com os últimos acontecimentos, o que posso falar em nome de toda família é que: SE ele realmente cometeu esse crime, com toda dor no meu coração, nós não poderemos mais ter qualquer tipo de relação com ele. Essa atrocidade vai contra tudo o que somos e pensamos. E, SE eu realmente perdi todo esse tempo tentando provar algo inexistente, não me restará escolha a não ser pedir que Deus o abençoe em sem caminho, que será longe do meu", diz Mohana.

Na nota, Mohana conta que tem esperança de que "tudo seja mentira". Ela também narra ter sacrificado a carreira e a saúde para defender a inocência do pai, há quase cinco anos.

"Há quase 5 anos, eu tomei a decisão de abandonar minha carreira internacional e minha vida toda para me dedicar 101% a provar a inocência do meu pai no Caso Marielle e Anderson. Porque eu tomei essa decisão? Porque ele me garantiu SEMPRE que era inocente", relata ela. "Consequências: engordei 50kg, me isolei do mundo, perdi minha carreira, meus colegas, piorei meus quadros psicológicos de TAG, tricotilomania, TEPT, depressão e TOC e passei a tomar 3 remédios pra dormir que não me fazem dormir mais do que 3 horas por noite. É um pesadelo sem fim".

Mohana diz tomar conta de dois irmãos mais novos e acompanhar os detalhes de oito processos contra Ronnie Lessa. Ela afirma não ter contato direto com o pai há cerca de seis meses.

A família vai tentar estabelecer contato com o acusado, mas depende do aval das autoridades para falar com ele na Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. O cadastro de Mohana para ingressar no presídio venceu, e ela ainda não conseguiu renovar o documento para visitá-lo ou mesmo ouvi-lo virtualmente.

Advogado afirma que vai deixar o caso, se houver delação
A notícia da chegada ao STJ de uma delação de Ronnie Lessa também surpreendeu a equipe de advogados do ex-PM. Em entrevista ao GLOBO, Bruno Castro disse que o cliente "nunca nem deu a entender" que haveria um mandante nem cogitara colaborar com os investigadores. Em conversas iniciais, segundo Castro, Lessa disse ter uma ideia de que teria disparado contra a vereadora.

"Ele acreditava saber quem tinha executado [Marielle e Anderson] em razão do modo de execução, por uma questão de assinatura do crime. Disse que não diria porque não queria colocar a família dele em risco. Nunca tive conversa sobre delação [com Ronnie Lessa], só com a família, no escritório, logo que fui contratado. Disse que, a partir do momento que fechássemos o contrato, eles tinham que saber que o meu escritório não faz delação, por ideologia jurídica. Se sair algum vídeo dele delatando, alguma assinatura dele em acordo, eu saio automaticamente do caso" disse.

Castro não soube precisar há quanto tempo não fala com Ronnie Lessa, mas prevê que só conseguirá rever o cliente depois do Carnaval.

"Qualquer preso que esteja em presídio federal não tem atendimento imediato. Tem que mandar e-mail, vai demorar de 10 a 15 dias para me responderem. Mas eu imediatamente procurei a família, que me disse que não sabe de delação nenhuma" destacou o advogado.

Castro disse considerar "possível" que o cliente tenha fechado um acordo com as autoridades sem o conhecimento da defesa. Foi o que aconteceu no caso do ex-policial militar Élcio de Queiroz, também preso em 2019 suspeito de participar dos assassinatos. Acusado de ter dirigido o carro da emboscada a Marielle e Anderson, o ex-PM acertou a colaboração com a Polícia Federal sem que seu advogado à época, Henrique Telles, soubesse. Telles decidiu deixar a defesa de Élcio de Queiroz depois disso.

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