Voto de Carlos Fávaro a favor da derrubada do marco temporal incomoda base de Lula
Ministro da Agricultura retornou ao Congresso nesta semana para votar a favor da indicação de Flávio Dino ao STF; nesta quinta-feira, contribuiu para uma derrota do Planalto
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se tornou alvo de críticas de parlamentares da base de apoio de Lula (PT) por seu voto a favor da derrubada dos vetos do presidente ao marco temporal para demarcação das terras indígenas.
De volta ao Senado nesta semana, no intuito inicial de dar o aval à indicação de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF), o integrante do primeiro escalão acabou contribuindo para a mais recente derrota do Palácio do Planalto no Congresso Nacional.
Diante deste cenário, deputados da ala mais ideológica do governo, ouvidos pelo GLOBO, relataram incômodo com a postura do ministro e chegaram a cobrar punições por parte do governo federal.
Uma das três deputadas indígenas eleitas no ano passado, Célia Xakriabá (PSOL-MG) afirmou que há uma contradição entre o posicionamento de Fávaro e as bandeiras defendidas pela gestão.
— Enquanto existe um projeto da demarcação de terras indígenas, do outro lado tem um ministro votando a favor da bancada ruralista. Existe um descompasso, não podemos ter duas falas no mesmo lugar. Fávaro votou de maneira escancarada contra os indígenas e vários senadores e deputados da base também. Esses parlamentares devem ser encarados não só como inimigos políticos, mas inimigos humanitários — defendeu a psolista.
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Em sua fala, Xakriabá se referiu a outras traições que ocorreram na base do governo. Apenas na Câmara dos Deputados, 43% dos parlamentares de partidos que compõem os primeiros escalões se posicionaram a favor da derrubada — PV, União Brasil, PP, Republicanos, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, MDB e PSD.
Em outubro, o presidente havia vetado, principalmente, a criação do chamado marco temporal, que determina que os povos originários tenham direito somente as terras que já haviam sido reconhecidas na data de promulgação da Constituição Federal, ou seja, em 5 de outubro de 1988. O Congresso, todavia, manteve a medida amplamente criticada por políticos e lideranças da sociedade civil, ligadas à comunidade indígena e/ou ao meio ambiente.
Dos vetos de Lula, apenas três pontos foram mantidos: a proibição ao plantio de transgênicos em terras indígenas, a manutenção das diretrizes para o contato com povos isolados e a determinação de que a União não poderá reapropriar terras em caso de descaracterização cultural.
Também do PSOL, Fernanda Melchionna (RS) afirmou que a bancada havia avisado Lula sobre o posicionamento pró-agronegócio do ministro:
— Acho gravíssimo por ser alguém que faz parte do primeiro escalão, mas quando anunciaram Fávaro, dizemos que esse ministro ia defender os interesses do agronegócio e foi exatamente o que aconteceu ontem. Não surpreende, mas é grave.
A opinião foi compartilhada por Glauber Braga (RJ), que caracterizou o voto como uma "altíssima traição" e avaliou que, caso a atitude não tenha sido combinada com o Planalto, justificaria uma demissão.
No Partido dos Trabalhadores (PT), Vicentinho (SP) e Reimont (RJ) avaliaram negativamente o voto do ministro e cobraram o governo federal por uma melhor articulação entre seus, em tese, apoiadores.
— Com certeza gera um desconforto. Foi uma derrota para nós do governo e eu espero que o Palácio converse com esse pessoal (que votou a favor da derrubada). Os deputados fazem pressão por emendas, por dinheiro, e na hora de votar, votam contra os interesses — disse Vicentinho.
Já Reimont afirmou que o governo poderia ter usado o tempo hábil desde a aprovação do projeto para mobilizar a sociedade civil com antecedência para atrair atenção para a pauta. "É o momento de chamar os seus e perguntar se estão mesmo do seu lado", afirmou.