Zema vota recuperação fiscal "esvaziada" e aguarda cabo de guerra entre governo Lula e Pacheco
Governo de Zema em Minas retira teto de gastos de análise na Assembleia Legislativa. Estratégia é alongar prazo na Corte
Perto de expirar um prazo aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que sua gestão retome pagamentos à União, o governador Romeu Zema (Novo) trabalha para aprovar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais uma proposta esvaziada de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
O texto bancado pelo governo não incluiu pontos obrigatórios do regime, como a criação de um teto de gastos. Deputados da base e da oposição avaliam que o governador fez um movimento “pró-forma”, para ganhar tempo em meio a um cabo de guerra entre o governo federal e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a melhor forma de equacionar a dívida mineira.
Com o regime, que alivia as parcelas da dívida pública, a base governista calcula que a gestão Zema fica habilitada a desembolsar cerca de R$ 1 bilhão em pagamentos à União até o fim deste ano. Sem o regime, precisaria desembolsar R$ 8 bilhões a partir deste sábado, quando vence o prazo dado pelo STF.
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A aposta do governo de Minas, porém, é que o STF dê o aval ainda nesta semana para manter os pagamentos em suspenso, enquanto aguarda a votação no Senado de um projeto de lei para refinanciar as dívidas dos estados.
O projeto, apresentado por Pacheco, busca substituir o regime de recuperação fiscal, implementado pelo governo Michel Temer em 2017, e cujas regras são consideradas draconianas – por prever, por exemplo, privatizações e congelamento de salários. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que o projeto de Pacheco precisa de “ajustes”, porque pode comprometer a arrecadação do governo federal.
Pacheco propôs que os governadores repassem estatais à União para abater a dívida, além de mudar a fórmula de cálculo dos juros.
Zema brecou os pagamentos à União com sucessivas decisões judiciais, sob o argumento de que a Assembleia Legislativa se recusava a votar o projeto de recuperação fiscal que o governo apresentou em 2019, no seu primeiro ano de mandato.
Em dezembro de 2022, o STF autorizou o governo de Minas a aderir ao regime sem necessidade de aval da Assembleia. A Corte estabeleceu ainda um prazo de carência de um ano – que era previsto na proposta estadual – para que os pagamentos da dívida fossem retomados e o estado se adequasse a todas as regras do regime.
Caso contrário, os benefícios seriam retirados. No fim de 2023, a gestão Zema conseguiu alongar o prazo até o dia 20 de julho deste ano, após decisão favorável do ministro Nunes Marques, relator do caso.
Com o prazo prestes a expirar, Zema passou a pressionar deputados a votarem a adesão ao regime de recuperação fiscal, sob o argumento de que o pagamento integral da dívida comprometeria o orçamento estadual e poderia causar atrasos de salários em Minas.
Na Assembleia, o texto foi fatiado em duas partes: um projeto de lei (PL), que autoriza o estado a aderir ao regime com a União, e um projeto de lei complementar (PLC), que estabelece o teto de gastos no estado.
Nesta terça, os deputados governistas conseguiram estabelecer um calendário para garantir que o projeto de lei de adesão ao regime seja votado em definitivo, no plenário da Assembleia, até sexta-feira. Em uma primeira votação, na segunda-feira, 33 deputados foram favoráveis. Já o PLC, cuja votação é mais difícil, por exigir maioria absoluta – isto é, no mínimo 39 votos --, ficará na geladeira até agosto.
A estratégia, na prática, retira um dos pilares obrigatórios no regime de recuperação fiscal, mas avança com o aval da gestão Zema. Segundo o líder do governo Zema na Assembleia Legislativa, deputado João Magalhães (MDB), a Advocacia-Geral do Estado (AGE) “deu um posicionamento parcialmente favorável” a votar apenas um dos projetos.
-- Sabíamos de antemão que não teríamos quórum para a votação do PLC (do teto de gastos). Vamos aguardar a definição do pedido de liminar para prorrogação de prazo no STF. Estamos autorizando a adesão ao regime -- afirmou Magalhães.
Imbróglio no Supremo
Na noite desta terça, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou ao STF que concorda com a extensão do prazo pedido pelo governo Zema até o fim de agosto, desde que pague as parcelas da dívida “como se a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal já estivesse homologada”. O posicionamento seguiu o adotado pela Advocacia-Geral da União (AGU), na última sexta-feira, o que na prática empurra Zema a seguir o regime.
Pacheco, por outro lado, defendeu ao STF que fosse atendido o pedido do governo Zema de “prorrogação do prazo de suspensão do Regime de Recuperação Fiscal”, sem mencionar o pagamento de parcelas. Em sua manifestação, no domingo, a presidência do Senado apontou que há uma “iminência da discussão legislativa” do novo projeto de reestruturação da dívida dos estados, que pode resolver “em caráter definitivo” a situação de Minas.
O vice-presidente da Corte, ministro Edson Fachin, que herdou temporariamente o caso de Nunes Marques durante o recesso judiciário, havia pedido as manifestações da AGU, do Senado e da PGR antes de decidir se atende o pedido do governo de Minas.
Na noite desta terça, Fachin atendeu parcialmente o pedido de Zema e prolongou o prazo por mais duas semanas, apenas para aguardar o fim do recesso judiciário— quando o relator original, ministro Nunes Marques, retomará o caso.
Na decisão, Fachin criticou o governo de Minas por recorrer a "sucessivos pedidos de prorrogação de forma a não adimplir integralmente os compromissos financeiros". Por ser quase 30 dias mais curto do que o pedido por Zema, o novo prazo, por ora, não altera a estratégia do governador na Assembleia Legislativa.
Em petição a Corte, Zema argumentou que o estado já vem fazendo pagamentos à União, mesmo sem ser obrigado. O governo de Minas alega ter quitado R$ 4,5 bilhões em serviço da dívida desde julho de 2022; só neste ano, segundo o estado, foram repassados R$ 1,3 bilhão à União, o que corresponderia aos valores projetados numa recuperação fiscal.
Já a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) alega que os pagamentos são inferiores às "obrigações mensais", o que vem levando a um aumento do endividamento. O total da dívida de Minas com a União chegou a R$ 170 bilhões no fim do ano passado, R$ 24 bilhões a mais do que em 2023, segundo dados da secretaria de Fazenda do governo estadual.
Crise política
Antes da movimentação de Zema, de cobrar a votação da recuperação fiscal na Assembleia, o vice-governador Matheus Simões (Novo) disse que seria uma "esquizofrenia política" aderir ao regime antes de uma decisão do STF.
Além de ruídos no governo, a movimentação causou contrariedade até em partidos de sua base na Assembleia Legislativa.
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e um dos responsáveis por costurar os dois projetos da recuperação fiscal, o deputado Armando Silva (União) votou contra a adesão ao regime na primeira análise, na segunda-feira, e sugeriu que o governador tenta expor os parlamentares a desgastes.
-- Bastava o governo cumprir o que estava no parecer da AGU e pagar as parcelas da dívida. Além disso, o Supremo já autorizou a adesão. Parece que o governo quis testar a Assembleia – afirmou o parlamentar.
Representante da oposição ao governo, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) acusou Zema de se contradizer durante o processo.
-- O governo está aumentando isenções de impostos, mas quer recuperação fiscal. Isso é incompatível, assim como essa versão desproporcional à realidade, de que não precisa do PLC (do teto de gastos), sendo que é um requisito, conforme documentado no STF. O governo está utilizando esse processo para ficar sem pagar dívida - criticou.