Sabores

Queijo de coalho rumo à Denominação de Origem Controlada

O queijo de coalho pernambucano tem tudo para ganhar o selo de Denominação de Origem Controlada (DOC) ainda este ano

Queijo de coalhoQueijo de coalho - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Que a fabricação do queijo de coalho é uma tradição nordestina ninguém duvida. Mas, a depender do produtor e da sua localização, algumas diferenças são notórias em relação à aparência e ao sabor do produto final. Nesse quesito de padronização, fornecedores pernambucanos aguardam ansiosos por um registro importante, pleiteado há anos para o Estado. É o selo de Denominação de Origem Controlada (DOC), que pode ser concedido ainda este ano.

A solicitação foi encaminhada para o Ministério da Agricultura há um mês. O órgão tem uma equipe técnica, aqui e em Brasília, estudando o projeto. De acordo com o superintendente de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado, Carlos Ramalho, o material tem tudo para conseguir uma resposta positiva em breve. “Mas estamos trabalhando com data prevista até o final do ano, por causa de questões burocráticas”, adianta. A última etapa é a emissão final do certificado pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

Muito além do nome pomposo, a classificação pertence a uma forma de Indicação Geográfica (IG) que garante identidade e qualidade ao insumo. Neste caso, o DOC resume as características que só os produtores da Bacia Leiteira, no Agreste pernambucano, conseguem ter no momento da preparação. Isso abrange o trabalho em quase 30 municípios como Garanhuns, São Bento do Una, Venturosa, Sanharó, Belo Jardim e Arcoverde. Logo, o título de “queijo de coalho do Agreste de Pernambuco” pertencerá a esse território. Assim como apenas os espumantes da região de Champanhe, na França, podem ser chamados de Champanhe e o presunto de Parma é o original italiano feito na cidade de Parma.

Quanto ao nosso bom e velho laticínio, eis o feliz desfecho de um processo liderado há oito anos pela associação de produtores, que leva o mesmo nome do futuro selo, resumido em CQP. “É o mesmo tempo de luta para conseguirmos a certificação. Porque é preciso ter uma empresa ou grupo que se responsabilize pela marca”, comenta o associado e fabricante Romildo Bezerra. Ele também lembra que para se adequar à padronização será preciso seguir critérios como ser uma queijaria artesanal registrada junto à Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro), estar na região de cobertura e cumprir as exigências de processo.

   Nos padrões

“Os animais deverão ser rastreados e passar por análises periódicas, como acompanhamento veterinário frequente. Lembrando que queijo de coalho só com leite bovino, e esse é mais um critério a ser seguido”, completa Bezerra, que acredita num valor final agregado à toda a análise rigorosa do produto. Para ter uma ideia, aquela versão branquinha e cheia de furinhos, encontrada em muitos supermercados, não será nem de longe reconhecida com o selo. “Significa que o leite foi mal selecionado e estava cheio de coliformes fecais ou bactérias que formaram reações na forma de bolhas de ar”, explica o presidente do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (ITEP), Antônio Vaz Cavalcanti, um dos apoiadores técnicos.

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“O coalho é uma levedura que passa pelo processo de fermentação. Ele vai sendo comprimido até ficar basicamente uniforme, mal tem deformações. Então o queijo firme e uniforme é o melhor que se pode ter. Depois disso, o fabricante deixa amadurecer ou insere algum tipo de ingrediente extra como pimenta, orégano, alho ou cebola. Aí você diz que o produto não é necessariamente o mesmo. Entretanto, o processo básico está padronizado”, detalha Cavalcanti.

Valor histórico

Para um insumo tão importante, datado dos tempos da colonização portuguesa no Brasil, porque uma Denominação de Origem só acontece agora? O presidente do ITEP responde que esse é um procedimento detalhista, agravado por alguns fatores. “A seca durou muitos anos e o gado estava morrendo. A escassez de chuva deixou o nosso queijo mais amargo e colocou a prioridade na sobrevivência e não em uma DO”, justifica.

Segundo o especialista em gestão cultural e pesquisador Gilberto Freyre Neto, o queijo de coalho pernambucano é um dos primeiros laticínios brasileiros. “O gado começa aqui pela civilização do açúcar. A interiorização desse animal e a produção da carne e do derivado do leite é um processo de fixação proteica”, pontua. Com o tempo, houve o aprimoramento tecnológico e de saúde alimentar. “Sem deixar que o modelo essencial de produção seja alterado em virtude de uma evolução mais drástica. Hoje, temos um queijo muito diferente do que tínhamos tempos atrás. Contudo, estamos tentando congelar no tempo alguma referência de produção, para que ele tenha uma identidade como território”, analisa.

Na cozinha, o item perfeito!

A lista de pratos que podem levar esse queijo branquinho, pouco salgado e levemente ácido não é pequena. No caderno de todo bom cozinheiro, lá está ele falando por si só. Seja assado com orégano, a exemplo do que se vê na praia, coberto com mel de engenho, esparramado sobre a carne assada ou na receita clássica do baião de dois. Não há limites. 

Para o chef do Cozinhando Escondidinho, Rivandro França, essa é a verdadeira carta na manga na hora de um preparo bem sucedido. Não à toa, ele aproveita o queijo de coalho como elemento de entrada, prato principal e sobremesa no cardápio do seu restaurante. “Por imprimir tanta identidade, a melhor maneira de desmembrar isso é através de uma apresentação diferente. Pode ser na forma de cubinhos ou dentro de um creme”, revela. Tamanha versatilidade resulta em dois campeões de venda do menu. A cartola com pedaços generosos do derivado do leite é um deles. O outro, também doce, tem fatias banhadas com cachaça e mel de engenho. “Mas também está maçaricada no escondidinho e como petisco na taba da salvação”, lembra.

O cozinheiro ainda lembra que o desafio vai para uma compra segura. “Uma vez, mandei o produto voltar na hora porque encontrei pelo de animal dentro dele. Por isso, o olhar tem que ser criterioso, tanto para o fornecedor quanto para a conservação dentro da geladeira”, alerta.

Estão registrados

O catálogo de Indicações Geográficas Brasileiras, lançado este ano, relaciona quase 60 produtos, alimentícios ou não, com uma das duas classificações possíveis de salvaguarda:

Indicação de Procedência (IP): 

Não se relaciona com fatores locais que integram características territoriais, fiosiográficas e humanas. Mas leva em consideração a reputação e as condições do local em fabricar determinado produto 

Denominação de Origem (DO): 

Relaciona os itens da Identificação de Procedência e agrega outros mais complexos, incluindo características territoriais, fiosiográficas e humanas específicas de uma região

Alguns itens com selo

Cachaça de Paraty (IP)
Vinho do Vale dos Vinhedos (IP) e (DO)
Arroz do Litoral Norte Gaúcho (DO)
Café do Cerrado Mineiro (IP)
Queijo da Serra da Canastra (IP)

 

 

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