Alberto Landgraf ruma para os seis anos do seu restaurante Oteque; confira entrevista exclusiva
Um dos mais brilhantes cozinheiros da sua geração, Landgraf fala sobre identidade da sua cozinha, da sua estreia relação com a Ásia e premiações
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Rumando para o seis anos de abertura, o restaurante Oteque, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, segue brilhando aos olhos da clientela - já habitué, ou novidadeira, que bate no endereço atraída pela fama da gastronomia com assinatura de Alberto Landgraf e cuidadoso serviço de vinho da casa.
Do alto dos 24 anos de carreira, Landgraf é um dos cozinheiros brasileiros mais competentes da sua geração, cuja 'marca' registrada passa pelo reconhecido preciosismo técnico e estilo elegante das suas criações. Em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco, o chef fala o que mudou no Oteque, e nele mesmo, desde a abertura em 2018, período em que viveu a pandemia de Covid-19, passou por transformações na vida pessoal e de como as premiações afetam (ou não) o exercício do trabalho.
Alberto ainda fala sobre como multidisciplinaridade afeta o processo de criação na cozinha e da sua (cada dia mais) estreita relação com a Ásia. Confira.
O que mudou no Oteque nesses quase seis anos de vida?
Passei anos planejando o que seria o Oteque e um dos principais pilares desse projeto é produto e sabor. Produto e sabor bons são atemporais. Podem passar seis ou dez anos e isso não muda.
Enfrentamos uma inesperada pandemia nos últimos anos, que devastou o setor de restaurantes, então é com alívio que digo que muito pouco mudou na essência do Oteque, pois conseguimos atravessar essa turbulência mantendo nosso padrão.
Contudo, pessoalmente, foi um desafio e tanto me deparar com a fragilidade da vida frente a essa pandemia e seguir firme, líder e tomando decisões por uma equipe inteira, enquanto eu também travava minhas batalhas internas. Isso me fez ressignificar toda minha vida, minhas prioridades, meu propósito. Acho que mudei muito mais do que o Oteque em si, o que considero positivo.
Como você define a cozinha que você desenvolve?
Acho que definir pode ser limitante. As influências que tenho na elaboração do Oteque são muitas e vêm de muitos lugares. Quando preciso explicar o que fazemos, costumo dizer que temos uma cozinha de produto que prioriza sabor e qualidade, explorando diversas técnicas com muita precisão e regularidade.
Já usei o termo “cozinha naturalista brasileira” para nos classificar, inclusive, uma das filosofias que mais gosto e me identifico é do Kenya Hara, um aclamado designer japonês, que fala sobre simplificar o sofisticado e sofisticar o simples. Isso define o Oteque mais do que muita história que eu poderia contar para bolar um storytelling.
Você tem viajado bastante à Ásia, o que tem te atraído pra lá?
Tenho o privilégio de estar tendo bastante compromissos profissionais mundo afora e, em 2023, muitos coincidiram de ser na Ásia, fora minhas idas regulares ao Japão quando posso, que talvez seja meu país preferido no mundo.
Apesar de exaustivo, por conta da diferença do fuso horário, a Ásia é um continente imenso, com países muito diferentes entre si e muito rico culturalmente. Vai ter sempre o que aprender não só sobre comida, mas sobre comportamento e costumes. É sempre edificante e transformador ter contato com culturas que contrastam com a nossa.
O que o Alberto de hoje diria pra quem você se imagina ser no futuro?
Tenha paciência e seja grato. Acho que o Alberto do passado jamais imaginaria que conquistaria tanta coisa tão rápido. Essas conquistas incluem vários âmbitos da minha vida. Houve um tempo em que eu tinha muita pressa para que tudo acontecesse no meu tempo e da minha maneira, e com a maturidade pude entender que as coisas acontecem no tempo que têm que ser.
Compreender e aceitar que não posso controlar tudo me fez aceitar o que não posso mudar e ser grato pelo que tenho. Também passei a olhar com outros olhos para coisas que antes me tiravam o sono. Sacrifiquei muito da minha vida pessoal e da minha saúde atrás de certos objetivos profissionais e, no final das contas, essa entrega tão incondicional e visceral não era tão obrigatória.
Com certeza, ao longo de 24 anos de carreira, já tive grandes vitórias, mas também duras lições e perdas, especialmente na área pessoal, e hoje busco equilíbrio de razão e emoção, priorizo minha saúde e acredito que o Alberto do futuro vai colher a plenitude que o Alberto de hoje está plantando.
Você é um apreciador das artes de modo geral. De que forma isso influencia sua comida? Quais as suas referências e influências de modo geral?
Aprecio e sou influenciado pelas artes de várias maneiras, mas também consumo muito conteúdo de design, esporte, literatura, música, história, filosofia e outras disciplinas que me influenciam como pessoa e profissional, logo, influenciam comida que faço e a maneira com que me comporto. Considero a multidisciplinaridade fundamental pra quem trabalha com criatividade. Você pode encontrar arte em todos os lugares, não só nos óbvios.
Listas e prêmios nunca foram o seu objetivo de trabalho, mas esse tipo de destaque ao Oteque vem aumentando. Muda alguma coisa pra você e sua equipe o fato de estar em rankings? O público muda?
Dizer que nunca foram meu objetivo seria leviano e até hipócrita da minha parte. Reconhecimento é sempre gratificante, sobretudo para uma equipe como a do Oteque, que é composta por tantos jovens que vibram muito tendo seus trabalhos validados. Já fui jovem como muitos deles e já me abalei mais por conta disso.
Hoje, lido de uma maneira mais saudável e entendo que listas e premiações são consequências de um bom trabalho e não o objetivo. A ordem é inversa. O objetivo deve ser fazer o melhor trabalho possível, e se fizermos, temos mais chance de sermos reconhecidos. Quanto ao público, é claro que prêmios atraem curiosos e interessados em comida de modo geral, mas ao mesmo tempo alguns dos nossos maiores clientes não fazem a menor ideia de como funciona ou do que se tratam os prêmios na gastronomia.
Premiações mais recentes do Oteque:
2 estrelas Michelin Brasil aqui
50Best - 20ª posição no Latin America's 50 Best Restaurants 2023; 47ª no The World's 50 Best Restaurants 2022 e 76ª em 2023 confira aqui e aqui
*A jornalista viajou ao Rio de Janeiro a convite da Síbaris